20/10/2012

A Escolha dos Papas I


O papado era o mais importante e cobiçado cargo da Terra. A família ou a facção que conseguisse eleger o pontífice teria predomínio político e material praticamente sobre todo o mundo. Esta situação prevaleceu durante muitos séculos, quando somente eram eleitos homens poderosos, de famílias da aristocracia e da nobreza. Por esta razão, quase todos os papas, especialmente os que viveram e governaram no período medieval, foram homens devassos, corruptos e cruéis.
A eleição de um papa quase que invariavelmente envolvia intriga, acordos espúrios e interesseiros, pois estava em jogo o cargo mais importante do mundo. Tal fato, não podendo ser desmentido pela Igreja Católica, é por ela justificado como sendo uma prática comum à sua época.
A vida dissoluta e profana dos papas, sua falta de escrúpulos e crueldade, valendo-se de todos os meios para justificar os seus objetivos, principalmente em manter o seu poder e autoridade, recorrendo às vezes até mesmo a crimes e assassinatos, fizeram deles legítimos representantes não de Jesus Cristo, como pretendem, mas de Satanás.
A Bíblia Sagrada, referindo-se à elevação do papado e o seu estabelecimento em Roma, registra este fato, como está escrito: Eu sei as tuas obras e onde habitas, que é onde está o trono de Satanás (Apocalipse 2:13).
A influência e poderio das famílias aristocráticas produziram inúmeros absurdos que Roma hoje procura encobrir, como a eleição de um menino de apenas doze anos, da facção romana dos condes Túsculos, como papa. Este, já mencionado neste estudo, foi o profano papa Benedito IX, que vendeu o papado para outro nobre muito rico, João Graciano, que se tornou o papa Gregório VI.
 
Lourenço, o Magnífico, da família florentina dos Médici que governou Florença por mais de três séculos e que era a família mais rica da Europa, conseguiu que seu filho João de Médici fosse nomeado cardeal em 1.489 com apenas treze anos de idade. Mais tarde este mesmo menino foi escolhido papa, com o nome de Leão X, contemporâneo de Martinho Lutero, cujo pontificado foi marcado pelo cisma provocado pelo referido monge e que ficou conhecida como Reforma Protestante .
 
Um sobrinho de Lourenço, por ele criado e filho bastardo de seu irmão Juliano, também chegou ao trono pontifício em 1.523, com o nome de Clemente VII (Grandes Personagens, p. 89).
 
Como existiam enormes interesses em jogo, ao mesmo tempo em que uma família dominava absoluta, podia ela cair em desgraça pela morte do seu papa, se fosse ele sucedido por alguém de famílias inimigas, o que era bastante comum.
 
Por esta razão estas famílias mantinham grandes exércitos de mercenários. Os condotieri eram chefes de exércitos mercenários, contratados pelas poderosas famílias italianas e pelo papado, para assegurar a posse das cidades livres (Milão, Génova, Veneza, Florença) (Grandes Personagens, p. 98).
 
Segundo a História, Toda personagem poderosa tinha seus soldados, sua corte, seus partidários no Colégio dos Cardeais. Era em armas que se apresentavam no Vaticano (Grandes Personagens, p. 497). Dificilmente, pois, alguém ousaria enfrentar o sumo pontífice: ... afinal, colocar-se contra o papa é criar um inimigo forte, que joga com duas armas poderosas: o sentimento místico do povo e exércitos mercenários muito bem equipados (Grandes Personagens, Lourenço, o Magnífico , p. 424).
 
Outras famílias da aristocracia medieval que conseguiram eleger vários pontífices foram os Orsini, os Della Rovere e os Bórgia. A crónica da família Bórgia se notabilizou especialmente por três personalidades marcantes. Rodrigo Bórgia, que se transformou no incrível papa Alexandre VI e dois de seus filhos, Lucrécia Bórgia, sobejamente conhecida pelos incontáveis escândalos conjugais que protagonizou e César Bórgia, que inspirou o escritor Maquiavel em sua obra-prima O Príncipe. O termo maquiavélico hoje bastante usado e conhecido é derivado das ações e do caráter do temível filho do papa Alexandre VI.
 
Para se ter uma ideia da impiedade e corrupção que imperava nessa época que precedeu à Reforma Protestante, vamos fazer algumas breves considerações a respeito da vida desse papa, do seu antecessor e do seu sucessor, respectivamente os papas Inocêncio VIII e Júlio II.
 
Vamos fazer referência a um registo histórico que menciona o dia em que Rodrigo Bórgia recebeu a tiara papal como Alexandre VI. A grande multidão que ovaciona o novo pontífice, impressionada com a pompa do cortejo papal e a grande festa oferecida para saudá-lo, clama entusiasmada: Roma era grande sob César, hoje é maior. César era um homem, Alexandre VI é um deus, gritam os cidadãos. Muitos, porém, permanecem silenciosos. Para eles, o novo pontífice é um pecador condenado ao inferno (Grandes Personagens da História Universal, p. 493).
 
Ocorre que era por demais conhecida a vida devassa e desregrada do cardeal que agora recebia com o sólio pontifício o título de Sua Santidade. Era ele sobrinho de Afonso Bórgia, o papa Calixto III que o nomeara cardeal em 1.456, juntamente com seu irmão, Pedro Luiz. Para este, foi criado o cargo de Cardeal-sobrinho, depositário do poder temporal do papado .
 
Os excessos do cardeal Rodrigo eram conhecidos, a ponto de ser repreendido pelo papa Pio II, que sucedera a seu tio: O Cardeal Bórgia, porém exagerava, a ponto de Pio II, ter de escrever-lhe, para fazer críticas severas: Querido filho, quando várias senhoras (..) se reuniram nos jardins (..), Vossa dignidade, esquecido do cargo que ocupa, demorou-se junto a elas das 7 às 22 horas. Dançou-se de maneira dissoluta. Ali, nenhum dos prazeres do amor foi esquecido. Os maridos, os irmãos, os pais das jovens senhoras e das moças convidadas não foram admitidos, para que vosso divertimento pudesse ser mais livre de todo obstáculo. Nosso desprazer é indizível. Rodrigo dizia-se arrependido, prometia emendar-se. Ficaria conhecido, porém, como o cardeal que nunca dormia só em seu leito (Grandes Personagens da História Universal, Lucrécia Bórgia , p. 494).
 
Continuam os registros históricos, a respeito do personagem citado: Em 1.468, o irrequieto Cardeal Bórgia tornou-se amante de Giovana Catanei, linda moça de apenas dezasseis anos. Em 1.474, arranjou-lhe um marido cómodo a tempo de que o primeiro filho, César, nascesse em legítimo casamento (Obra citada, p. 494). O cardeal que depois se tornaria papa teve quatro filhos ilegítimos, mas nem por isso escondeu sua paternidade.
 
A respeito deles, diz a História: ... são todos filhos reconhecidos do Cardeal Bórgia, naturalizados espanhóis, e isentos de quaisquer restrições devidas a seu nascimento; a eles estão reservadas inúmeras honrarias. Mas aquela menina loura terá um destino mais amargo. Será dada em casamento em troca de ocasionais alianças políticas e verá seus esposos afastados de si, quando estas alianças perderem a validade. Recebeu a formação de jovem princesa do Renascimento italiano, filha de uma das mais poderosas personalidades da Igreja (Idem, p. 494).
 
Continua a História o registro a respeito da filha do papa, usada como instrumento político pelo pai e pelo irmão César: Onze anos era idade mais que suficiente para uma menina da aristocracia ficar noiva. Lucrécia podia estar orgulhosa da escolha do pai, tanto mais que se dizia que o jovem Dom Gasparo era muito belo. A elevação de Rodrigo Bórgia ao trono pontifício, porém, tornou impossível o casamento. A mão de Lucrécia seria dada em penhor de alianças políticas mais importantes (Idem, p. 497).
 
Vários casamentos foram realizados e anulados, ao sabor dos interesses políticos e de alianças vantajosas. Eis o relato do primeiro: A 12 de junho de 1.493 realiza-se no Vaticano o casamento de Lucrécia Bórgia. Está presente a alta sociedade romana. Sua Santidade tem à esquerda seu filho César, já arcebispo de Valência. João Bórgia, duque de Gândia, acompanha a irmã. Após a cerimónia, as festividades. Escudeiros da Casa do Cardeal Colonna, vestidos com peles à maneira de selvagens, recitam poemas sobre o amor. Camaristas servem doces, frutas e vinhos. Enorme quantidade de confeitos é atirada ao povo. Mais tarde, no salão dos pontífices, Alexandre VI oferece aos convidados esplêndida recepção, com danças e teatro. À noite, o papa conduz pessoalmente o casal ao Palácio de San ta Maria in Pórtico, residência de Lucrécia. É esta a primeira alusão a relações incestuosas entre Lucrécia e seu pai (Ibidem).
 
Alexandre VI protagonizou várias tragédias mas a mais dolorosa foi a morte do filho que mais amava, o Cardeal João Bórgia, assassinado pelo irmão César, segundo as crónicas da época: ... quando Alexandre conseguiu superar a dor (depois de permanecer dois dias trancado em seus aposentos, chorando o tempo todo pela morte do filho João Bórgia), reuniu os cardeais. Diante deles atribuiu a morte do filho a um castigo divino, pelos muitos pecados do pai. Ninguém sabia quem fora o assassino. Falava-se nos Orsini, no senhor de Pesaro. Aos poucos, um nome destacou-se dos demais o de César Bórgia. Alexandre, alquebrado pelo desgosto, deixou -se dominar pelo Cardeal de Valença. César tornou-se cardeal leigo: poderia casar, perpetuar a Casa dos Bórgia com uma aliança política vantajosa. Pelas mesmas razões, era preciso anular o matrimónio de Lucrécia. Como seu casamento ficara estéril, o papa decidiu que não tinha sido consumado. Sforza foi considerado impotente e frio por natureza. Ela, depois de rir muito, cedeu aos desejos familiares e confirmou as acusações (Idem, p. 503).
 
Os escândalos envolvendo a família do papa continuavam a acontecer numa sucessão espantosa: Em fevereiro de 1.498, novo escândalo abala a sociedade romana: Pedro Calderón, camareiro do papa, é encontrado morto no Tibre. Imediatamente começam os rumores. O embaixador veneziano informa que César teria assassinado o jovem camareiro no próprio Vaticano, diante de Alexandre; Calderón teria morrido por ser amante de Lucrécia, que esperava um filho dele. César assassinou o rival, dizem os inimigos dos Bórgia (Ibidem).
 
O livro católico das crónicas papais assim se refere a Alexandre VI: Rodrigo Bórgia, espanhol de Valença, sobrinho de Calisto III, eleito na capela Sistina adoptou o nome de Alexandre VI. Era de grandes dotes naturais. O seu passado, porém, não o recomendava. Militar, aventureiro, possuído pela vida mundana, quatro filhos crescidos na depravação geral de uma época em que, com as artes, renascera o paganismo e na qual tudo o que era belo era considerado bom! Turvam a vida de Alexandre VI os atos de seus filhos: César Bórgia, a quem o papa amava e temia, foi herói do Príncipe de Maquiavel, impôs a sua férrea e traiçoeira política aos barões italianos, tornando odioso o nome paterno e Lucrécia Bórgia, vilmente caluniada, que foi exemplar esposa como duquesa de Ferrara. Pelos Arquivos Secretos do Vaticano, destemidamente franqueados aos estudiosos por Leão XIII, vê-se que Alexandre VI errou como homem (S. Pedro negou três vezes a Cristo), errou como príncipe (o meu reino não é deste mundo), jamais, porém errou nos ensinamentos da Igreja como Papa, Vigário de Cristo, o qual Cristo, dormindo na Barca de Pedro, sustentava-a contra as tempestades da Renascença paganizante e a favor de homens de pouca fé (Biografias dos Papas, p. 437).
 
Segundo o mesmo livro Biografias dos Papas, p. 435, João Batista Cibo chamou-se Inocêncio VIII. Foi eleito por cardeais impregnados do espírito da época: em sua maioria eram leigos e mundanos, quase sempre representantes de reis ou de famílias nobres, alheios, portanto, ao bem da Igreja. Comprometeu-se pois, Inocêncio, antecipadamente com seus eleitores o que lhe trouxe a pecha de simonia. Inocêncio era douto, humilde e bondoso, foi porém condescendente demais com seus filhos e sobrinhos. Para atrair Lourenço de Médici, o Magnífico, de Florença, nomeou cardeal seu filho João de Médici, o futuro Leão X, jovem demais. Como todos os príncipes de seu tempo, Inocêncio primou em estimular a artistas e literatos .
 
O papa Júlio II foi quem realmente sucedeu a Alexandre VI, porquanto Pio III não completou sequer um mês de pontificado. Da família Della Rovere, de muitos papas, Juliano Della Rovere era sobrinho do papa Sisto IV. Incrementou a cultura e as artes. Roma tornou-se a capital artística do mundo: Miguel Ângelo, Rafael, Bramante, a quem confiou a construção da nova basílica de S. Pedro, são nomes que imortalizaram o pontificado de Júlio II. Mais príncipe que papa, foi o homem necessário à salvação do pontificado numa época de prepotência (Biografias dos Papas, p. 441, destaques acrescentados).
 
Se conforme o registro abaixo, a respeito do caráter dos sobrinhos do papa Sisto IV apenas Júlio II se mostrou digno, como não terão sido os outros sobrinhos-cardeais? Pois eis o que a História declara do papa Júlio II: Júlio II foi considerado uma das figuras mais profanas que já passaram pelo trono de São Pedro (Grandes Personagens da História Universal, p. 108).
 
Se em todos os aspectos o pontificado do papa Alexandre VI foi abominável, o seu sucessor em nada ficou atrás na prática da corrupção e comportamento devasso. Júlio II, ao assumir o papado revelou, em nome da verdade, como pretexto, a grande iniqüidade do seu antecessor, revelações estas que na verdade tiveram por motivação o ódio pessoal e a rivalidade de suas famílias e facções políticas, para inviabilizar suas articulações visando a reconquista do poder. Segundo a História, O pontificado de Júlio II imitaria em tudo a obra de seu odiado inimigo Alexandre VI (Grandes Personagens, p. 508).
 
O tio de Júlio II, O papa Sisto IV, Francisco Della Rovere foi eleito num rápido conclave. Favoreceu o nepotismo; nomeou cardeais e príncipes a muitos sobrinhos seus, dos quais apenas um, o futuro Júlio II, mostrou-se digno. Excluindo-se sua fraqueza ante a deplorável vida de seus sobrinhos, Sisto IV realizou esplêndido governo. Construiu a magnífica e celebrada Capela Sistina. Seu nome está ligado à Inquisição espanhola, a qual infelizmente foi usada por civis para fins políticos ou por ignorância e fanatismo da época, ocasionando reprováveis abusos. A Sisto IV erigiram um sepulcro monumental. Nele, porém, figuram apenas motivos das artes e das ciências, nada de sinais cristãos! (CORREA, Iran (Padre), Biografias dos Papas, S. D. B., p. 433).
 
Note-se que esta obra católica é destinada a enaltecer a obra dos papas, expor a sua biografia, chamando-os de Guardiães Vigilantes dos Textos Sagrados Através dos Séculos . A introdução do livro finaliza com estas palavras: Abençoe a Virgem Santíssima Auxiliadora estas páginas: possam elas tornar mais conhecido e amado o sucessor de S. Pedro, o Vigário de Jesus Cristo na Terra, o Santo Padre, o Papa! (p. 11).
 
Se a obra destinada a enaltecer a vida destes papas deixa entrever o seu caráter mundano e ímpio, imagine-se como terá, na realidade, sido a vida destes inimigos de Deus e da verdadeira religião!
 
João de Médici, o filho de Lourenço, o Magnífico, sucedeu a Júlio II, com o nome de Leão X. Foi ele o papa contemporâneo da Reforma de Martinho Lutero. A seu respeito o livro Biografias dos Papas, já mencionado, traz o seguinte comentário: Na História da Igreja, em Leão X, os fulgores do príncipe foram fatais ao Pontífice (p. 443). Eis um interessante registro a respeito do referido pontífice: Finalmente chega a paz, depois da morte de Júlio II. Sobe ao trono dos pontífices Leão X, da Casa dos Médici. É o poderoso senhor de uma Itália exausta e empobrecida, vulnerável aos ataques da França e do Sacro Império (Grandes Personagens, p. 508).