04/08/2012

Constantino a Teodósio: Mais Poder aos Bispos

O imperador Constantino é o verdadeiro fundador da ideologia do poder eclesiástico


Até o Concilio de Nicéia (325), o poder dos bispos é ainda espiritual, mas com tendências políticas e económicas simuladas na atenção carinhosa para com o imperador Constantino, que, em 313, mediante o Edito de Milão, notificou indiretamente este poder.

Em 325, Constantino amarra a si numa forma sútil, e na esteira de muitas regalias, todos esses bispos. Mas ninguém pense que o imperador fosse cristão! Podemos ler em "Historiae Augustae" (Loeb Library seyerus Alex"; 51) que, na sua corte gaulesa Constantino "vivia rodeado de filósofos pagãos" e, mesmo depois de Nicéia, pouco se interessou por problemas religiosos e muito menos por diferenças teológicas.

O que ele queria era a unidade dos bispos cristãos, pois havia percebido que eles eram o maior instrumento político de que então ele podia dispor para realizar a monarquia absoluta e o fato de colocar o correio do império a serviço deles era já um destes meios para realizar seus planos.

Como era a Roma cristã nos séculos III e IV? O único bispo desta época que possa interessar à história cristã é Silvestre I. Mas, antes dele, a História – lembra Dinis, que nasceu na Grécia e foi bispo de 259 a 268.

Nesses anos, foi condenado Paulo de Samosata, aquele do trono - com o dossel, que, embora bispo, dizia que Jesus era um simples homem e não Deus.
Em 270, morreu também Plotino, o fundador do Neoplatonismo, que, como Sócrates e Platão, afirmava que qualquer pessoa, pela simples luz da razão, podia elevar-se até Deus, que, contrariamente ao que pregavam os cristãos, não tinha forma alguma, nem podia ser definido por palavras humanas.

Plotino era contrário a todas as seitas cristãs, principalmente os gnósticos, que acreditavam em espíritos e demónios secundários. Antes de morrer, disse aos seus discípulos: "Vou reunir o que existe de divino em mim com o que existe de divino no universo" (veja meu livro: "Plotino e a alma no tempo", Ufes - F.C.A.A.; 1990).

Então veio Felix I, que foi bispo de Roma de 268 e 274. Homem bom, mas de nenhuma importância política. Mais importante é o que aconteceu com o bispo Eutiquiano (275-283), quando apareceu em Roma a religião de Manes que, nesta época, fundou no Oriente o Maniqueísmo.

Manes ensinava que existiam dois princípios opostos: um, autor da luz e de tudo o que é bom; outro, autor das trevas, da matéria e do mal. Falava de si como sendo o Espírito Santo enviado por
Jesus. Ensinava que Jesus só tinha aparências humanas.

Manes dizia que a matéria, os corpos, os reis, os magistrados e outros seres, eram criações do princípio mau. Por isso, ele proibia os casamentos e as guerras assim como comer carne e beber vinho.

Manes dizia que Jesus era o Sol. Este ponto é que nos interessa, porque, até o fim de sua vida, Constantino adorou o Sol como seu Deus e é nesta época que os cristãos começam a chamar Jesus de "Christus Sol" como que para agradar Constantino.

Paulus Osórius, sacerdote e historiador espanhol, escreveu, no ano de 416 d.C, uma "História Universalis" (que evidentemente só podia compreender o império romano) em sete livros e em língua latina. Pois bem, eis o que ele escreve ainda no primeiro livro, quanto às condições do império: "Os exércitos dispunham, à vontade, do poder supremo e os chefes militares apoderavam-se alternadamente do poder supremo (...). Foi no execrável reinado destes tiranos que todos os males caíram a um tempo sobre o império: a Bretanha foi subjugada pelos calcedónios e pelos saxões; a Gallia, pelos Francos, alemães e borguinhões; a Itália, pelos alemães, suevos, quados e marcomanos; a Macedónia, a Média e a Trácia pelos Godos, Hérulos e Sármatas; os persas invadiram a costa da Síria.
Finalmente, a guerra civil, a fome, a peste, arruinavam as cidades e aniquilavam as populações que tinham escapado ao ferro dos bárbaros. As cidades foram arrasadas por terremotos que duravam dias; o mar saiu do seu leito e inundou províncias inteiras. Em Núbia, na Acaia e em Roma, a terra abriu-se e engoliu campos e casas. A peste matava diariamente milhares de homens".

Mesmo dando um desconto de 50%, este relato dá para pensar...
Hérmias Sozômenos, que morreu na Palestina em 443 d.C, escreveu uma História Eclesiástica que não é diferente desta acima citada.

Mas os únicos que não se impressionavam com a situação geral eram os bispos e os padres.

Escreve Eusébio, na sua "História Eclesiástica", a propósito do estado social e religioso do fim do III século e começo do IV:

“A doutrina de Jesus Cristo era muito estimada e glorificada entre os gregos e bárbaros. A Igreja gozava de

01/08/2012

O PODER CENTRADO NO BISPO

A ideologia do poder eclesiástico romano começa com Clemente I, bispo de Roma

A tradição atribui ao bispo de Roma, Clemente 1, toda uma série de escritos sobre a doutrina e sobre a disciplina cristã, e a mesma tradição diz que foi Clemente I que teve a idéia de reunir todos esses escritos de caráter eclesiástico juntamente com a memória referente ao apóstolo Pedro.

(Atenção: trata-se de tradição e não de provas históricas objetivas!).

Também quando alguém quis redigir as famosas "Constitutiones Apostólicas", diz a tradição que foi Clemente I quem se incumbiu da tarefa. Parimente, quando Hermes escreveu o "Pastor", é novamente Clemente que manda todos os livros cristãos aparecidos em Roma, aos outros bispos, pressionando-os a aceitá-los.

Este verbo "pressionando-os" é bastante forte, mas exprime bem o estilo do missivista romano (fosse quem fosse!). Com efeito, tudo o que Clemente escreveu (supondo que seja ele o autor) tem um estilo autoritário: é com autoridade que, a cada página, ele recomenda que se obedeça à hierarquia eclesiástica, isto é, padres e bispos.

Sente-se que Clemente é bispo em Roma, a cidade imperial que reflete seu poder naquela igreja, cujo chefe e senhor é o bispo. Dizem alguns historiadores que Clemente era da família Flavia, que já deu três imperadores: Vespasiano, Tito e Domiciano e, portanto, carregava no sangue o autoritarismo... Se isso fosse verdade, seria explicado seu estilo de escrever, pois escreve como o comandante-chefe.

Na sua carta aos Coríntios, há um trecho que nos diz tudo: "Olhemos os soldados que servem os nossos soberanos; com que ordem, com que pontualidade, com que submissão executam o que lhes é comandado"!!! "Com que submissão"!

Segundo uma linha histórica ininterrupta de dois mil anos, chegamos ao ano de 1937, quando Pier Costante Righini, diretor nacional da Juventude Católica Italiana, me levou a Roma para ver o Papa.

Eu tinha 13 anos e não entendia nada do que Pio XII dizia, a não ser uma frase que até hoje ressoa na minha memória: "A igreja não precisa de gente que pensa: ela precisa de gente que obedeça".

É a submissão de que fala Clemente, bispo de Roma!

Para Clemente, o exército romano é o único modelo de como deve ser a Igreja Cristã: obedecer, cada um em seu lugar. Obedecer a quem? Aos bispos, claro!

A palavra obedecer era muito forte numa época em que as comunidades unidas ao redor de seus "presbíteros" formavam uma família que ainda se reunia no cómodo mais amplo de uma casa.

Houve muitos protestos de bispos. Só de bispos. A comunidade havia colocado sua autoridade nas mãos dos anciãos (presbíteros), mas o corpo presbiterial já se resumia numa só pessoa: o bispo.

(Mais tarde, os bispos irão aniquilar-se numa só pessoa: o papa - mas ainda faltarão alguns séculos).

Deste modo, parece claro que a criação do poder episcopal é obra do segundo século, já que a absorção da Igreja pelos presbíteros aconteceu antes do fim do primeiro século.
Outra coisa que intriga na carta de Clemente é a ideia de que o presbiterado é anterior ao povo cristão. Lemos ainda na carta de Clemente: "Todos os órgãos do corpo conspiram e obedecem a um princípio fixo de subordinação pela conservação do todo".

E assim nasceu o conceito jurídico de hierarquia eclesiástica, fundamentado na exigência da "conservação do todo", algo que nem São Paulo imaginava quando fez o elenco dos carismas entre os cristãos.

Assim, a ideia de São Paulo (que sempre se sentiu livre e independente perante os apóstolos), como, de resto, a ideia de Jesus, isto é, de uma assembleia (Igreja) de gente livre, parecia agora uma utopia anárquica inútil para o futuro.

Bem escrevia Renan em "As origens do cristianismo"; v.5°; pág. 183: "Com a liberdade evangélica havia a desordem, mas não se previu que, com a hierarquia, ter-se-ia no futuro a uniformidade e a morte".

Mesmo colocando-se alguns bispos contra as ideias de Clemente, não conseguiram impedir o alastramento de suas ideias contidas na sua carta.

Apareceram então, por volta do ano 170 d.C, uma serie de cartas (de Inácio?) que ansiavam pela organização da autoridade episcopal.

Fazia tempo que os bispos sentiam a necessidade de organizar-se, já que Jesus não voltava "nas nuvens" como havia prometido (ou como eles imaginavam que Ele tivesse prometido).

Uma família composta de uma dúzia de pessoas consegue organizar-se no amor. Mas uma dúzia de famílias só dá certo quando houver uma organização clara e definida.

Traduzindo este conceito em termos eclesiásticos, significa que, se os poderes dos bispos e dos presbíteros emanassem da própria assembleia dos fiéis, a Igreja perderia seu caráter de hierarquia teocrática.

E assim, aos poucos, sem solavancos psíquicos ou sociais, o clero falará em nome do Senhor Jesus à assembleia e em nome da assembleia ao Senhor Jesus... e ninguém se apercebeu, lá no segundo século, que agora quem mandava era o bispo e não o Senhor Jesus.

É o que acontece todo dia num condomínio em que os proprietários delegam ao síndico todo o serviço do prédio, dando graças a Deus que haja alguém para a tarefa. O voto deliberativo torna-se voto simbólico, até o dia em que não há mais nada para votar, pois o sindico "é pessoa de confiança" e "sabe o que faz" e, de fato, agora é ele que faz tudo.

Então surgiu o costume de os presbíteros e de os epíscopos sentarem no primeiro lugar. Depois veio a ideia de colocar um ou dois estrados debaixo da cadeira episcopal “unicamente para poder ver o rosto de todos os fiéis”. Depois a cadeira foi substituída pelo trono episcopal.

Paulo de Samosata, bispo de Antioquia, foi o primeiro a usar esse trono com o dossel e o bispo de Roma começou a colocar ao lado de seu nome a palavrinha "pa. pa." que significa "pater patrum', ou seja, pai dos pais, pastor dos pastores, bispo dos bispos.

Isso foi em 389 com o bispo de Roma Sirício e com a permissão do imperador Teodósio. Enquanto isso, estabeleceu-se que só o bispo podia celebrar a santa ceia, segundo uma carta de Ireneu ao bispo de Roma Vitor (Eusébio; "-Hist. Ecles."; V; XXIV; 17).

Então, o bispo foi o único "Senhor" (dominus) da Igreja local, tendo ao seu lado um conselho de presbíteros e de diáconos.
O que valia agora não era mais a comunidade dos fiéis que o havia eleito, mas a imposição das mãos que lhe dava o título e a herança apostólica de "epíscopo" (bispo).
Hegesipo é um escritor cristão que, na segunda metade do II século, escreveu sobre as origens do cristianismo. Ele nos interessa muito porque nas suas viagens, ele só procura e interroga os bispos: para ele, a Igreja é só o bispo (veja: Eusébio; "Hist. Ecl"; IV; XXII; 1-3); não o bispo de Roma, mas cada bispo em sua Igreja. Hegesipo sabia que agora não existia mais a primitiva igualdade cristã, mas que a Igreja era propriedade de um "dominus" chamado bispo.

E, na verdade, por quanto este novo cristianismo pareça antidemocrático, será esta nova organização que disciplinará a anarquia, pois colocará cada bispo em sua diocese com todo o poder.

Jesus havia inoculado em seus discípulos o espírito de fraternidade, onde todos estavam dispostos a renunciar às suas ideias e desejos de serem os primeiros no "reino". Jesus havia repetido que "o primeiro de vós, seja o servidor de todos". Com o bispo de Roma, Clemente I, tudo isto foi deixado de lado para alcançar a organização necessária para impor-se ao mundo pagão.

Clemente I (Epist. I; c. 42-44) considera o episcopado como sendo o único herdeiro dos poderes apostólicos. Deste modo, com ele começa a ideologia do poder eclesiástico, uma vez que os sacramentos e a graça divina que eles conferem são privilégios que o Céu deposita nas mãos da hierarquia eclesiástica.

Foram as Igrejas paulinas que pegaram logo esta ideologia. Trechos das cartas de São Paulo eram agora interpretados como uma premissa da constituição da hierarquia, uma vez que frequentemente insistiam no respeito pela autoridade dos presbíteros.

Então inventaram-se mais três epístolas: a Tito e a Timóteo, que foram atribuídas a São Paulo, para fundamentar a ideologia do poder eclesiástico.
São três pequenos tratados sobre os deveres eclesiásticos e sobre a grandeza do episcopado: "grande coisa é o episcopado!" (I Tim. 3 e Tito, 1).

Clemente I encontrou aqui tudo aquilo que estava procurando, sob o selo e a garantia da divina inspiração. As Igrejas judeu-cristãs (sabemos pela História) tornaram-se quase uma sinagoga e nelas o clericalismo não deitou raízes.

Mas já não é o caso da Igreja de Roma, na primeira metade do III século, quase logo após o "reinado" de Clemente I: "No ano de 248, a Igreja de Roma dispõe de um clero de 155 membros e mantém cerca de 1.500 viúvas e pobres.

Tal grupo, independentemente dos religiosos regulares, é tão numeroso como a mais importante corporação da cidade. E, na verdade, um grupo enorme, numa cidade em que as agremiações culturais e as confrarias funerárias contam seus membros às dúzias.

Mais revelador, talvez, o papa Cornélio apresenta essas estatísticas impressionantes como uma das justificações de seu direito a ser considerado o bispo da cidade.

(...) É a essa Igreja conduzida com firmeza por tais dirigentes que Constantino, em 312, confere uma posição inteiramente pública, que se revelará decisiva e irreversível ao longo do século IV". (V.V.A.A.; "História da vida privada"; Comp. das Letras; 58; 1990; V.I.; pg. 260).


Autor: Carlo Bússola, professor de Filosofia na UFES

Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” – Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.

25/07/2012

História da Idolatria na Igreja

A Igreja dos primeiros séculos não usava imagens (com excepção do símbolo do peixe, usado como logotipo e não como ídolo). As imagens entraram primeiro na Igreja para uso ornamental, no final do século III. Em 400 d.C., elas também eram usadas com propósitos instrutivos e só nos séculos seguintes essas imagens foram consideradas sagradas. Foram então aceitas para veneração pela Igreja Católica Romana no Concílio de Nicéia, em 787 d.C. e no de Trento, em 1.562 d.C.

De acordo com a Tradição Católica, quando uma pessoa ora ou adora uma imagem de santo ela está venerando o próprio santo, não a imagem. Esta explicação, embora convincente quanto pareça, não justifica a oração a uma imagem, porque Deus no-la proíbe. Este fato tem sido entendido por muitas pessoas importantes na Igreja Católica. Sob a mudança feita pelo Papa João XXIII, muitas imagens foram retiradas das Igrejas. Este Papa e outros que o seguiram também tentaram cortar outras práticas idolátricas da Igreja, como carregar imagens em procissões.

Imagens de Quem?

Na maioria dos casos as imagens veneradas não são realmente imagens de santos, visto como não existiam câmaras fotográficas no seu tempo de vida, nem muitos deles posaram para pintores. A consequência óbvia é que muitas vezes as imagens são realmente dos modelos que posaram para os pintores. Muitos artistas

19/07/2012

Magistério e Começo do Poder Eclesiástico

 Ícone retratando o Primeiro Concílio de Niceia.
O bispo de Roma Leão Magno foi o primeiro que falou no direito que os bispos têm de mandar nos cristãos

Desde o começo, os apóstolos estabeleceram auxiliares. Assim nos informa Clemente Romano. Estes auxiliares eram chamados "episcopói" ou ''presbiterói". Também as cartas de Inácio de Antioquia (100-115) dizem a mesma coisa, talvez repetindo Clemente...Também Cipriano, bispo de Cartago, repete Clemente.

Para todos, porém, é coisa evidente que os bispos são autónomos em suas assembleias (Igrejas); "quando muito, comunicam-se uns com os outros mediante cartas exortatórias ou doutrinais, ou simplesmente pedindo esclarecimentos.

Assim Clemente de Roma escreve ao bispo de Corinto; assim Dionísio, bispo de Corinto, escreve ao bispo de Roma... Surge, aos poucos, para facilitar as consultas entre si, o cargo dos metropolitanos, cujas sedes são: Antioquia, Cesareia, Jerusalém, Alexandria e Roma.

Os bispos que pertencem a uma sé metropolitana, vez ou outra se reúnem em sínodos para confrontarem suas ideias, ou para julgarem as ideias de algum cristão que pensa diferente (herege), ou para solucionar casos duvidosos.

Só com o concilio de Nicéia, em 325, é que a coisa toma vulto oficial e imperial... Notamos aqui, de passagem, que os primeiros nove concílios se realizaram todos no Oriente e os bispos de Roma não estiveram presentes em nenhum deles, tão insignificante era a igreja de Roma!

Foi a partir do século V que os bispos de Roma tentaram reservar-se o poder de confirmar as conclusões destes concílios, baseando-se no fato de serem bispos da antiga capital do mundo. Veremos isto mais à frente.

Voltemos agora ao bispo Clemente Romano, iniciador da ideologia do poder, dando continuidade ao artigo passado.

Eusébio, bispo de Cesareia (265-340) e fundador da História Eclesiástica, nos deixou escrito (livro III; c. II) que, com a morte de Tiago, primeiro bispo de Jerusalém, "os apóstolos, os discípulos e os parentes vivos do Salvador juntaram-se para dar-lhe um sucessor e, por consenso unânime, elegeram Simão Pedro". (Parêntese: então, o primeiro sucessor de Jesus e papa, seria Tiago!?).

Ora, na citada carta aos Coríntios, o bispo de Roma, Clemente, nos confirma que esta regra ainda perdura na Igreja de Jesus. Não só isso, mas, em Nicéia (325), os bispos presentes confirmaram ser este costume ininterrupto.

Hoje, sabemos que o XXII cânon do Concilio de Cartago "proibia aos bispos ordenar padres sem o consentimento dos demais sacerdotes e sem a presença e aprovação dos leigos".

E o bispo de Roma, Leão Magno (440-461) fez uma lei para a sua Igreja, onde se lê que "aquele que por direito terá que mandar em todos, haverá de ser eleito por todos".

É um ato de democracia eclesiástica, sem dúvida, que esconde uma realidade que já era aceita por todos – leia-se, de novo, o que São Leão Magno escreveu: "aquele que por direito terá que mandar em todos...". Fala-se de "direito" e fala-se de "mandar".

Ora, mandar é um ato de jurisdição que implica em "poder" - neste caso, poder eclesiástico que se fundamenta em direitos...

O que é poder eclesiástico? O que são estes direitos? Poder eclesiástico é de difícil definição... É um poder muito elástico, que pode ser esticado no tempo e no espaço, quilómetros afora... Na sua formulação inocente parece algo que tem a ver com a vida da alma... um poder espiritual.

Mas, ao longo dos séculos, passou da alma dos fiéis ao corpo dos fiéis (lembra da Inquisição?) e do corpo dos fiéis passou à terra dos fiéis (lembra a doação de Constantino? e da terra dos fiéis passou aos reinos, ao Ocidente, à terra inteira... (lembra do Tratado de Tordesilhas, em 1494?).

E o poder eclesiástico (elástico como é) se fundamenta em direitos adquiridos. Quais são estes direitos adquiridos dos presbíteros e dos epíscopos?

Para entender isto, voltemos ao começo. Já na época do bispo romano Clemente não era reconhecido à igreja de Roma, no âmbito da cristandade, nenhuma autoridade sobre as demais igrejas do Oriente ou do Ocidente.

Veja-se por exemplo, a luta escandalosa entre Cornélio e Novaciano, na metade do III século, querendo ambos ser bispos de Roma. Foram excomungados por um sínodo romano, mas a resposta definitiva reconhecendo Cornélio como legítimo bispo de Roma, veio do sínodo de Cartago (África).

O mesmo aconteceu quando um sínodo espanhol depôs Marcial, bispo de Mérida, e Basilídio, bispo de Lyon, por terem traído a fé na perseguição de Gallo. Os dois apelaram ao bispo de Roma, Estêvão, que os reintegrou. Mas um outro sínodo de Cartago (África) anulou o ato do bispo de Roma, confirmando a decisão do sínodo espanhol.

Cornélio, bispo de Roma (251-253), gritava que era a ele que competia decidir estas coisas, por ser Roma a capital do império, mas ninguém lhe deu ouvidos.

Assim, quando se tratou de fixar a data da Páscoa, não é o costume da Igreja de Roma que vale, mas o que determinam os concílios provinciais de Cesareia, dq Ponto, da Gallia e da África, que, seguem o exemplo de Alexandria (Egito), enquanto que as pretensões de Victor I, bispo de Roma (189-199) foram derrubadas pelo bispo de Éfeso.

Assim, depois da perseguição de Décio é ainda o concilio de Cartago, convocado pelo bispo Cipriano, que resolve a questão da reconciliação dos apóstatas e o bispo de Roma nem mesmo é consultado.

Aconteceu o mesmo com o batismo dado pelos hereges: é ainda o bispo de Cartago, com os demais bispos africanos, que impõe as regras. (Veja: Santo Agostinho; "De Batismo" livro II; c. XV).
Temos dezenas de outros exemplos parecidos com esses que acabamos de citar, como, por exemplo, o caso de Paulo de Samosata; o cisma donatista; a teologia de Ário; etc.

Em todos esses casos, eram os concílios episcopais das diferentes igrejas que impunham o seu parecer, desfazendo, frequentemente, o parecer do bispo de Roma. (Veja: Fleury; "História Eclesiástica"; livro VII; 56).

É pena que quem redigiu a lista dos papas na enciclopédia Mirador, tenha colocado sob o título "principais eventos" muitas afirmações que não têm nenhuma prova histórica.

Esses fatos acima relatados nos colocam já diante de uma situação aceita no mundo cristão de então; uma situação que enquanto mostra a falta do primado romano, nos primeiros séculos, salienta o direito de cada bispo (esteja ele onde estiver) para decidir questões dogmáticas e disciplinares.


18/07/2012

A Roma do Primeiro Século

http://pt.wikipedia.org/wiki/Roma
A tristeza da situação política não impedia que os cristãos do primeiro século vivessem como uma família.
A Roma do primeiro século vivia uma situação política bastante triste. Tibério (14-37 d.C.) era um imperador de dupla personalidade. A maioria dos historiadores tecem elogios à sua administração, esquecendo a sua violenta tirania e despotismo, em nome da razão de Estado. Mas os cristãos (confundidos com os judeus) não tinham do que se queixar.

A Tibério sucedeu Calígula (37-41 d.C), tão cínico que, para insultar o Senado, deu as honras de Cônsul ao seu cavalo! Na "História dos Césares" é apelidado de “animal ferox”, tamanha era a sua crueldade. Por fim, foi assassinado por Cláudio, o capitão de sua guarda pessoal. E foi uma festa pelo império afora.

Sucedeu-lhe Cláudio (41-54 d.C), um homem irresoluto e tímido, e tão covarde que consentia que Calígula o esbofeteasse e o chicoteasse em público. Uma vez imperador, mandou matar todos seus amigos, a um ponto que Agripina mandou envenená-lo.

Então, Nero subiu ao trono (54-68 d.C): a pior desgraça da Roma antiga! Mandou matar sua mãe, Agripina, e seu mestre Séneca e dezenas de amigos. Isso já no começo. Então casou-se com um homem, praticando relações sexuais à luz do dia, na presença de sua corte.

As demais loucuras, atrocidades e crime de Nero, todos as conhecem. Mas não podemos esquecer a noite de 19 de julho do ano de 64, quando ele mandou incendiar Roma e, depois, colocou a culpa nos cristãos.

Talvez fossem cerca de 200 cristãos, vestidos com túnicas impregnadas de pez negro, que queimavam como tochas vivas. Foi a primeira e mais terrível perseguição contra os cristãos e o testemunho de que, em Roma, já havia uma pequena comunidade, embora não se tenha registros históricos de seus fundadores - certamente não São Pedro, como mostrei nos artigos passados.

Finalmente, o povo se revoltou: invadiu o palácio e acabou com Nero. Sucedeu-lhe, primeiro, Galba, e, depois, Otão e Vitélio, tolos ineptos e corruptos, particularmente este último, que era também sádico e sanguinário.

Então Vespasiano tornou-se imperador (69-79 d.C). Era bondoso e condenava as crueldades de seus antecessores. Sucedeu-lhe Tito (79-81 d.C.), que o povo apelidou de "delícias do género humano". Quando morreu, o povo dizia: "Um imperador como este, ou nunca devia ter nascido ou devia viver para sempre".

Sucedeu-lhe Domiciano (81-96 d.C.), homem orgulhoso, fútil, avarento e cruel. Desencadeou a segunda perseguição contra os cristãos. O prazer de Domiciano era matar pessoas e dá-las aos cães para comer. Outra diversão desse monstro era mandar queimar os órgãos sexuais de amigos.

Foi assassinado. Sucedeu-lhe Nerva (96-98). O historiador Apolónio, que viveu nessa época, diz que Nerva era benévolo, generoso e modesto. Todos os historiadores romanos louvam e admiram Nerva, com o qual começa a dinastia antonina.

Nesses altos e baixos políticos a vida dos cristãos em Roma certamente sofria, mas não tanto para ficarem dispersos. Muito pelo contrário! Era uma comunidade pequena, mas muito unida.

Embora o período que foi do ano 70 ao ano 110 seja completamente obscuro quanto à história, podemos ter alguma notícia por meio de Ireneu e de Inácio. São notícias misturadas à ideologia do poder eclesiástico do qual os dois estavam, imbuídos. Mas quem nos fornece as melhores notícias é já a Arqueologia Paleo-cristã.

Tenho aqui â importantíssima obra de Giovanni Battista De Rossi: "Roma Sotterranea" (Roma Subterrânea), escrita entre os anos de 1864 e 1877.

Esse De Rossi, arqueólogo e epigrafista italiano (1822-1894), fez o levantamento topográfico das catacumbas de Roma; foi o criador da Epigrafia Cristã; organizou o Museu Cristão do Latrão e redigiu, a partir de 1863, o Boletim de Arqueologia Cristã, com a assistência da Comissão Vaticana de Arqueologia Sagrada.

Os túmulos que ele descobriu e os sarcófagos que ele descreveu nos apresentam os mais antigos símbolos, pinturas e objetos deste primeiro século de vida cristã.

Encontramos lá o alfa e o ómega (Deus, princípio e fim); muitas âncoras (a cruz da salvação); muitas palmas (a vitória sobre o paganismo); o cordeiro (o fiel do Cristo); o peixe, cujo acróstico, em grego, significa: "Jesus-Cristo-Filho-de-Deus-Salvador"; o pastor (o bom pastor da parábola); o pescador (Jesus em busca dos homens); o orante (a Igreja em oração); e muitas outras imagens.

Às vezes, a tampa do sarcófago tem cenas tiradas da mitologia e passíveis de uma interpretação espiritual: Orfeu enfeitiçando os animais (Cristo fascinando os alunos); Eros abraçando Psique (o amor celeste envolvendo o amor humano); Ulisses amarrado ao mastro para resistir ao canto das sereias (o cristão desdenhando o mundo profano).

Além dos sarcófagos, encontramos as pinturas rudimentais, sobretudo nos muros e nas abóbadas dos

14/07/2012

A Organização da Igreja Primitiva

A Igreja primitiva era fraternal e não havia sinais de ideologia eclesiástica de poder algum

Lemos em "História da Civilização" de Will Durant (Comp. Ed. Noc; SP; 1946; V; VI; III p.; I. II; pág. 276): "O cristianismo não destruiu o paganismo, mas adoestou-o. O moribundo espírito grego ressurgiu na teologia e na liturgia da Igreja cristã. A língua grega, depois reinar tantos séculos sobre a Filosofia, tornou-se o veículo da literatura e do ritual cristão"

“Os mistérios gregos passaram-se para os mistérios da missa. Outras culturas pagãs também contribuíram para esse sincretismo. Do Egito vieram as ideias da divina Trindade, do juízo final, e da imortalidade pessoal com recompensas e castigos."

“Também de lá vieram a adoração da mãe e do filho e a mística teosofia que produziu o Neoplatonismo e o Gnosticismo que obscurecem o credo cristão. De lá ainda [vieram] os germes do monasticismo cristão. De Frígia veio a adoração da grande mãe. Da Síria, o drama 'da ressurreição de Adonis."

"Da Trácia talvez tenha vindo o culto a Dionísio, o deus que morre para salvar os homens. Da Pérsia veio a ideia do milénio, as 'idades do mundo', a conflagração final, o dualismo Deus-e-satã luz-e-trevas. Já no quarto evangelho Cristo é a luz brilhando nas trevas; uma luz que as trevas nunca apagaram."

"O ritual de Mitras assemelha-se tanto ao sacrifício da missa que os padres cristãos acusavam o diabo que inventara essas semelhanças com a finalidade de desnortear os espíritos fracos: como afirmavam Justino em Apologia (I, 6G) e Tertuliano em De Baptismo (5). Deste modo o cristianismo foi a última grande obra do velho mundo pagão!"
E o mais interessante de tudo é que a síntese de Will Durant é verdade histórica (para os pesquisadores - claro! Não para o povão...), mesmo que teólogos católicos e protestantes tentem negá-lo. (O problema é que se encontra um só pesquisador entre mil teólogos... Os teólogos só fazem repetir o que foi dito!).

Voltando a Will Durant, acho que ele esqueceu de acrescentar uma frase: "este cristianismo que vingou não é o cristianismo de Jesus Cristo, e, sim, o cristianismo dos seus vigários, moldado "ad usum Delfini".

Foi por isso que o grande pesquisador, o padre Altai, cujo verdadeiro nome é Mélinge, nascido em Saintonge, na França, escreveu o livro "O cristianismo de Cristo e o dos seus vigários" (Federação Espírita

11/07/2012

Onde Está a Tradição do Primado Nos Primeiros Três Séculos?

Nos primeiros três séculos não existe nem a idéia de um Primado romano

Mais uma vez lembro que esta não é uma história do cristianismo e, sim, tão somente dos homens que ocuparam o cargo de bispos em Roma.

Existe uma dificuldade muito grande em escrever este tipo de história que estou tentando redigir porque o historiador católico se esforça para justificar e defender a posição do bispo de Roma, interpretando e até forçando o sentido de situações históricas e de documentos que chegaram até nós, não na sua forma original mas através de citações.

Veja, por exemplo, o verbete "Papado" na Enciclopédia Mirador, edição 1980, página 8530: "São Clemente I escreveu carta aos Coríntios em 95 ou em 96; esta é uma das primeiras provas do primado romano".

Ora, isso só pode ser verdade para quem escreveu o artigo; para outros que gostam de analisar e investigar, esta é uma grande mentira, pois trata-se de uma verdade preconcebida.

Por causa disso, temos centenas de conclusões apressadas que distorcem os fatos e dificultam a pesquisa.

Para provar a existência do Primado romano nos primeiros três séculos, citam-se três bispos: Clemente romano, Irineu e Cipriano.

Clemente foi bispo em Roma de f, 88 a 97 d.C. e tornou-se famoso por uma carta que escreveu aos cristãos de Corinto ("Carta de Clemente romano"; Editora Vozes; Petrópolis; 1971). Quem nos fala desta carta é Eusébio em "História Eclesiástica" (IV; 23,11).

Eusébio, que morreu em 340, isto é, pouco mais de 200 anos depois, nos diz que o bispo de Corinto leu essa carta aos fiéis e depois guardou-a como preciosidade por ter vindo de Roma... Duzentos anos depois!! Eusébio nos relata este fato... sem provar!...

Irineu, bispo da Igreja de Lyon que dependia do metropólito de Roma, e morreu em 208, isto é, cerca de 100 anos depois de Clemente romano, deixou escrito em "Adversus Haereses" (III, 3) que Clemente foi o terceiro sucessor de Pedro em Roma, após Lino e Anacleto, e enviou uma carta aos cristãos de Corinto.

O que há de interessante nessa carta de Clemente? De interessante há que ele faz uma comparação entre o exército romano e os grupos dos cristãos: para serem invictos como o exército romano, os cristãos devem observar uma severa disciplina eclesiástica onde deve haver uma hierarquia com chefes e subalternos.

Com efeito, escreve Clemente, "os apóstolos estabeleceram bispos e diáconos e deram instruções para que, após a morte deles, outros homens comprovados sejam eleitos presbíteros da comunidade" (47,6; 54,2; 57,1).

A interpretação dos teólogos católicos é que esta carta é o primeiro documento comprovante da supremacia universal (o Primado) do bispo de Roma. No entanto os teólogos luteranos e outros protestantes (S. Jáki; "Les tendences nouvelles de 1'ecclesiologie"; Her-der; Roma; 1957) não vêem nenhum Primado na carta de Clemente.

Clemente não era o único bispo que mandava cartas ou relatórios a outros bispos, tanto em forma de consulta, como em forma de esclarecimento. Aliás, como podemos ler no "Curso de Teologia Patrística", de F. A. Figueredo (Ed. Vozes; 1983; pág. 67), Clemente não faz alguma distinção entre "epíscopoi" (bispos) e "presbiterói" (anciãos); por "presbiterói" ele designa bispos e diáconos.

É evidente que nessa carta o termo "episcopói" significa sorvelhante, supervisor, sem a conotação de pessoa "consagrada" para um ministério específico, em oposição a "leigos" que seria o povo cristão não consagrado (como interpreta I. de la Potterie em "Nouvelle Revue Théblogi-que"; LXXX; 1958; pág. 840 ss.).

Não se deve esquecer que muitos bispos, nesta época, escreviam cartas a outros bispos, Diniz, bispo de Alexandria, escreveu cartas; até aos bispos da Espanha, resolvendo questões disciplinares, que eram aceitas por outros bispos (-Fleury; "Hist. Ecles"; VII; 56).

O mesmo fez Gregório, bispo de Neocesaréia, no século III e Ba-sílio, bispo de Cesaréia; e suas intervenções eram aceitas pelos demais bispos.

Quando nos fins do século III o império foi dividido em: Oriente, Illíria, Itália e Gallia, constituíram-se os patriarcados de Roma, Antioquia e Jerusalém; mas cada bispo estava sujeito à assembléia dos bispos de seu patriarcado.

Mas a grande importância da carta de Clemente aos Coríntios, se não é a prova do Primado, como queria B. Bartmann no seu Tratado de Teologia (vol. II; pág. 425 e 483) e os demais teólogos católicos, está no fato que ele dá início à formação do presbiterado, como prova muito acertadamente Ernesto Renan ("História das

09/07/2012

A Roma Cristã e seu poder estão fundamentados sobre a Roma pagã


Atenção, leitor! Esta obra que estou começando a escrever não é Histó­ria do Cristianismo ou História da Igreja cris­tã, mas tão somente a história dos homens que ocuparam o cargo de bispos na cidade de Roma. Vou falar de homens e de sua ideologia do poder. Só.

Nos casos específicos dos bispos de Roma chamo de ideo­logia a interpretação que os mes­mos fizeram e fazem de uma si­tuação religiosa que tem um as­pecto social e político.

Essa interpretação acontece a partir de uma evolução histó­rica para a qual confluíram elementos políticos, morais, religio­sos, filosóficos e econômicos que implicaram numa tomada de posição, de modo que em primeiro lugar foram elaboradas doutrinas para justificar aquela interpretação e, em seguida, foram tomadas as medidas que se julgara necessárias para a realização do sonho interpretativo de situação já programada, para realizá-lo com referência ao poder.

Neste caso, a "ideologia do po­der" é o sonho espalhado no gran­de círculo eclesiástico romano que justifica, sob a luz da religião, todos esses elementos políticos, econômicos, morais e religiosos de uma supremacia (ou ditadura) papal.

Por "poder" aqui entendo aquele aspecto da faculdade da vontade que quer colocar-se acima dos outros para dominá-los ou física, ou política, ou economicamente, sempre, po­rém, sob o manto da religião.

Noutras palavras: poder, enquanto tal, significa capacidade de dominar. Por isso, neste caso, ideologia do poder é o sonho de domínio que usa da religião para estar acima do bem e do mal, seja político ou eco­nômico.