10/01/2013

MÁRTIRES CRISTÃOS - HISTÓRIA DA PERSEGUIÇÃO NA BOÉMIA


Os pontífices romanos, que tinham usurpado o poder sobre várias igrejas, foram particularmente severos com os boémios, até ao ponto de lhes enviar dois ministros e quatro laicos a Roma, no ano 997, para obterem reparações do Papa. Depois de alguma tardança, foi-lhes concedida sua petição, e reparados os danos. Permitiram-lhes duas coisas em particular: ter o serviço divino em sua própria língua, e que o povo pudesse participar do vinho no sacramento.


Apesar disso, as disputas voltaram a renascer, tentando os seguintes Papas por todos seus médios impor-se sobre as mentes dos boémios, e estes, animadamente, tratando de preservar suas liberdades religiosas.

No ano 1375, alguns zelosos amigos do Evangelho apelaram a Carlos, rei da Boémia, para que convocasse um Concílio Ecuménico para fazer uma indagação dos abusos que tinham-se introduzido na Igreja, e para efetivar uma reforma plena e exaustiva. O rei, que não sabia como proceder, enviou ao Papa uma comunicação pedindo-lhe conselho acerca de como agir; mas o pontífice sentiu-se tão indignado ante este assunto que sua única resposta foi: “Castigai severamente a estes desconsiderados e profanos hereges”. O monarca, portanto, desterrou a todos os que estavam implicados nesta solicitude, e, para agradar o Papa, impus um grande número de restrições adicionais sobre as liberdades religiosas do povo.

As vítimas da perseguição, não obstante, não foram tão numerosas na Boémia senão até depois da queima de John Huss e de Jerónimo de Praga. Estes dois eminentes reformadores foram condenados e executados a instigação do Papa e de seus emissários, como o leitor verá pela leitura dos seguintes breves bosquejos de suas vidas.

A perseguição de John Huss
John Huss nasceu em Hussenitz, um povoado de Boémia, por volta do ano 1380. Os seus pais lhe deram a melhor educação que lhes permitiam as circunstâncias; e tendo adquirido um bom conhecimento dos clássicos numa escola privada, passou à universidade de Praga, onde logo deu provas de sua capacidade intelectual, e onde se destacou por sua diligencia e aplicação ao estudo.


Em 1398, Huss alcançou o nível de bacharel em divindade, e depois foi sucessivamente escolhido pastor da Igreja de Belém, em Praga, e decano e reitor da universidade. Nestas posições cumpriu seus deveres com grande fidelidade, e ao final se destacou de tal modo por sua predicação, que se conformava com as doutrinas de Wycliffe, que não era possível que pudesse fugir à atenção do Papa e de seus partidários, contra os que predicava com não pouca aspereza.


O reformista inglês Wycliffe havia acendido de tal modo a luz da reforma, que começou a iluminar os cantos mais tenebrosos do papado e da ignorância. Suas doutrinas se espalharam pela Boémia, e foram bem recebidas por muitas pessoas, porém por ninguém tão particular como por John Huss e seu zeloso amigo e companheiro de martírio, Jerónimo de Praga.

O arcebispo de Praga, ao ver que os reformistas aumentavam a diário, emitiu um decreto para suprimir a dispersão contínua dos escritos de Wycliffe; no entanto, isto teve um efeito totalmente contrário ao esperado, porque serviu de estímulo para o zelo dos amigos destas doutrina, e quase toda a universidade se uniu para propagá-las.


Estreito aderente das doutrinas de Wycliffe, Huss se opus ao decreto do arcebispo, que contudo conseguiu uma bula do Papa, que lhe encarregava impedir a dispersão das doutrinas de Wycliffe em sua província. Em virtude desta bula, o arcebispo condenou os escritos de Wycliffe; também procedeu contra quatro doutores que não tinham entregado as cópias daquela teologia, e lhes proibiram, apesar de seus privilégios, anunciar a consagração alguma. O doutor Huss, junto com alguns outros membros da universidade, protestaram contra estes procedimentos, e apelaram contra a sentença do arcebispo.

Ao saber o Papa da situação, concedeu uma comissão do cardeal Colonna, para que citasse a John Huss a comparecer pessoalmente na corte de Roma, a fim de responder a acusação que tinha sido apresentada em sua contra de predicar erros e heresias. O doutor Huss pediu ser escusado de comparecer pessoalmente, e era tão favorecido na Boémia que o rei Wenceslau, a rainha, a nobreza e a universidade pediram ao Papa que dispensara seu comparecimento; também que não deixasse que o reino de Boémia estiver sob acusação de heresia, senão que lhes for permitido predicar o Evangelho com liberdade em seus lugares de culto.


Três procuradores compareceram ante o cardeal Colonna em representação do doutor Huss. Trataram de escusar a sua ausência, e disseram que estavam dispostos a responder em seu lugar. Mas o cardeal declarou contumaz a Huss, e por isso o excomungou. Os procuradores apelaram ao Papa, e designaram a quatro cardeais para que examinassem o processo. Estes comissionados confirmaram a sentença, e estenderam a excomunhão não só a Huss senão também a seus amigos e seguidores.

Huss apelou contra esta sentença a um futuro Concílio, porém sem êxito; e apesar da severidade do decreto e da conseguinte expulsão de sua igreja em Praga, se retirou a Hussenitz, sua cidade natal, onde continuou propagando sua nova doutrina, tanto desde o púlpito como com sua pluma.

As cartas que escreveu nesta época foram muito numerosas; e recopilou um tratado no qual mantinha que não se podia proibir de forma absoluta a leitura dos livros dos reformistas. Escreveu em defesa do livro de Wycliffe acerca da Trindade, e se manifestou abertamente em contra dos vícios do Papa, dos cardeais e do clero daqueles tempos corruptos. Escreveu também muitos outros livros, todos os quais redigiu com uma força argumentativa que facilitava enormemente a difusão de suas doutrinas.

No mês de novembro de 1414 se convocou um Concílio geral em Constança, Alemanha, com o único propósito, como se pretendia, de decidir entre uma disputa que estava então pendente entre três pessoas que contendiam pelo papado; porém seu verdadeiro motivo era esmagar o avanço da Reforma.
 
John Huss foi chamado a comparecer diante deste Concílio; para alentá-lo, o imperador lhe enviou um salvo-conduto. As cortesias e inclusive a reverência com que Huss se encontrou pelo caminho eram inimagináveis. Pelas ruas que passava, e inclusive pelas estradas, se aglomerava a gente as quais o respeito, mais que a curiosidade, levava até lá.

Foi levado à cidade em meio de grandes aclamações, e se pode dizer que passou pela Alemanha em triunfo. Não podia deixar de expressar sua surpresa ante o tratamento que lhe dispensavam. “Pensava eu (disse) que era um proscrito. Agora vejo que meus piores inimigos estão na Boémia”.

Tão logo como Huss chegou a Constança, tomou um alojamento numa parte afastada da cidade. Pouco depois de sua chegada, veio um tal Stephen Paletz, quem tinha sido contratado pelo clero de Praga para apresentar as acusações em sua contra. A Paletz se uniu posteriormente Miguel de Cassis, de parte da corte de Roma. Estes dois se declararam seus acusadores, e redigiram um conjunto de artigos em contra dele, que apresentaram ao Papa e aos prelados do Concílio.

Quando se soube que estava na cidade, foi arrestado imediatamente, e constituído prisioneiro numa câmara do palácio. Esta violação da lei comum e da justiça foi observada em particular por um dos amigos de Huss, quem aduziu o salvo-conduto imperial; porém o Papa replicou que ele nunca tinha concedido nenhum salvo-conduto, e que não estava sujeito pelo do imperador.


Enquanto Huss esteve encerrado, o Concílio agiu como Inquisição. Condenaram as doutrinas de Wycliffe, e inclusive ordenaram que seus restos fossem exumados e queimados, ordens que foram estritamente cumpridas. Nesse ínterim, a nobreza da Boémia e da Polónia intercedeu intensamente por Huss, e prevaleceram até o ponto de impedir que for julgado sem ser ouvido, coisa que tinha sido a intenção dos comissionados designados para julgá-lo.

Quando o fizeram comparecer diante do Concílio, leram-lhe os artigos redigidos contra ele; eram por volta de uns quarenta, maiormente extraídos de seus escritos.

A resposta de John Huss foi: “Apelei ao Papa e, morto ele, e não tendo sido decidida minha causa, apelei do mesmo modo a seu sucessor João XXIII, e não podendo lograr meus advogados que me admitisse em sua presença para defender minha causa, apelei ao sumo juiz, Cristo”.


Tendo dito Huss estas coisas, foi-lhe perguntado se havia recebido a absolvição do Papa ou não. Ele respondeu: “Não”. Depois, quando lhe perguntou se era legítimo que apelasse a Cristo, John Huss respondeu: “Em verdade afirmo aqui diante de todos vós outros que não há apelação mais justa nem mais eficaz que a que se faz a Cristo, porquanto a lei determina que apelar não é outra cousa que, quando for cometido um mal por parte de um juiz inferior, se implora e pede ajuda de mãos de um juiz superior. E quem é maior Juiz que Cristo? Quem, digo eu. Pode conhecer ou julgar a questão com maior justiça ou equidade? Pois d´Ele não há engano, nem Ele pode ser enganado por ninguém; e acaso pode alguém dar melhor ajuda que Ele aos pobres e aos oprimidos?” Enquanto John Huss, com rosto devoto e sóbrio, falava e pronunciava estas palavras, estava sendo ridicularizado e escarnecido por todo o Concílio.

Estas excelentes expressões foram consideradas como manifestações de traição, e tenderam a inflamar seus adversários. Por isso, os bispos designados pelo Concílio o privaram de seus hábitos sacerdotais, o degradaram, lhe colocaram uma mitra de papel na cabeça com demónios pintados nela, com esta expressão: “Líder de hereges”. Ao ver isto, ele disse: “Meu Senhor Jesus Cristo, por minha causa, levou uma coroa de espinhos. Por que não iria eu, então, levar esta ligeira coroa, por ignominiosa que seja? Em verdade vou levá-la, e de boa vontade”. Quando a colocaram em sua cabeça, o bispo disse: “Agora encomendamos tua alma ao demónio”. “Porém eu”, disse John Huss, levantando os olhos ao céu, “encomendo em tuas mãos, oh Senhor Jesus Cristo, meu espírito que Tu remiste”.


Quando o amarraram à estaca com a corrente, disse, com rosto sorridente: “Meu Senhor Jesus foi amarrado com uma corrente mais dura que esta por minha causa; por que deveria eu envergonhar-me desta, tão enferrujada?”.

Quando empilharam a lenha até o pescoço, o duque de Baviera esteve muito solícito com ele, desejando-lhe que se desdissesse. “Não”, disse-lhe Huss, “nunca prediquei doutrina alguma com más tendências, e o que ensinaram meus lábios o selarei agora com meu sangue”. Depois disse ao algoz: “Vai assar um ganso (sendo que Huss significa ganso em língua boémia), porém dentro de um século te encontrarás com um cisne que não poderás nem assar nem cozer”. Se ele disse uma profecia, devia referir-se a Martinho Lutero, que apareceu após uns cem anos, e em cujo escudo de armas figurava um cisne.

Finalmente aplicaram o fogo à lenha, e então nosso mártir cantou um hino com voz tão forte e alegre que foi ouvido através do crepitar da lenha e do fragor da multidão. Finalmente, sua voz foi silenciada pela força das labaredas, que logo puseram fim a sua existência.

Então, com grande diligência, reunindo as cinzas, as lançaram no rio Rhin, para que não sobrasse o menos resto daquele homem sobre a terra, cuja memória,contudo, não poderá ser abolida das mentes dos piedosos nem pelo fogo, nem por água, nem por tormento algum.

A perseguição de Jerónimo de Praga
Este reformador, companheiro do doutor Huss, e poderia dizer-se que mártir com ele, tinha nascido em Praga, e se educou naquela universidade, onde se distinguiu por suas enormes capacidades e erudição. Visitou também vários outros eruditos seminários na Europa, particularmente as universidades de Paris, Heidelberg, Colónia e Oxford. Neste último lugar se familiarizou com as obras de Wycliffe, e, sendo pessoa de uma grande capacidade de trabalho, traduziu muitas delas a sua língua nativa, tendo chegado a ser um grande conhecedor da língua inglesa, após árduos estudos.

Ao voltar a Praga, se manifestou abertamente como favorecedor de Wycliffe, e ao ver que suas doutrinas tinham feito grande progresso na Boémia, e que Huss era seu principal patrocinador, veio em sua ajuda na grande obra da reforma.

O quatro de abril de 1415 chegou Jerónimo a Constança, uns três meses antes da morte de Huss. Entrou em privado na cidade, e consultando com alguns dos líderes de seu partido, aos que encontrou ali, ficou facilmente convencido de que não poderia ser de ajuda alguma para seus amigos.


Ao saber que sua chegada a Constança tinha sido conhecida publicamente, e que o Concílio tinha a intenção de apresá-lo, considerou que o mais prudente era retirar-se. Assim sendo, no dia seguinte foi para Iberling, uma cidade imperial a uma milha de Constança. Desde este lugar escreveu ao imperador, manifestando-lhe sua boa disposição a comparecer diante do Concílio se lhe era concedido um salvo-conduto; porém lhe foi recusado. Então enviou uma solicitude ao Concílio, e recebeu uma resposta não menos desfavorável que a do imperador.

Depois disto, empreendeu o retorno à Boémia. Teve a precaução de levar consigo um certificado, assinado por vários dos nobres boémios, que então estavam em Constança, que dava testemunho de que tinha utilizado todos os médios prudentes em sua mão para conseguir uma audiência.

Jerónimo, contudo, não escaparia. Foi apressado em Hirsaw por um oficial do duque de Sultbach, que, embora carecendo de autorização para agir neste sentido, não tinha dúvida alguma de que o Concílio iria agradece-lhe um serviço tão aceitável.


O duque de Sultbach, com Jerónimo em seu poder, escreveu ao Concílio pedindo instruções acerca de como proceder. O Concílio, trás expressar seu agradecimento ao duque, pediu-lhe que enviasse o prisioneiro de imediato a Constança. O eleitor palatino se encontrou com ele no caminho, e o levou de volta à cidade, cavalgando com ele num corcel, com um numeroso cortejo, que levava a Jerónimo acorrentado com uma longa corrente; assim que chegaram, Jerónimo foi lançado numa imunda masmorra.

Jerónimo foi logo tratado de uma forma muito semelhante a como tinha sido tratado Huss, só que sofreu um confinamento muito mais prolongado, e passou de uma a outra prisão. No final, feito comparecer perante o Concílio, desejou defender sua causa e exculpar-se; sendo- lhe isto negado, prorrompeu nas seguintes palavras:


“Que barbaridade é esta! Durante trezentos e quarenta dias estive encerrado em várias prisões. Não há miséria nem carência que não tenha experimentado. Aos meus inimigos lhes tendes permitido toda as facilidades para acusar. A mim me negais a mais mínima oportunidade de defender-me. Nem uma hora me permitireis preparar-me para o meu juízo. Tendes engolido as mais negras calúnias contra minha honra. Tendes-me apresentado como herege, sem conhecer minha doutrina; como inimigo da fé, antes que saber que fé professo; como perseguidor de sacerdotes, antes de ter uma oportunidade de saber quais são meus pensamentos acerca disto. Sois um Concílio Geral; em vós se centra tudo o que este mundo pode comunicar de seriedade, sabedoria e santidade; porém, contudo sois somente homens, e os homens poder ser atraídos pelas aparências. Quanto mais elevado seja vosso caráter para sabedoria, tanto mais cuidado deveríeis tomar de não desviar-vos para a insensatez. A causa que agora alego não é minha própria causa: é a causa de todos os homens, é a causa dos cristãos; é uma causa que afetará os direitos da posteridade, segundo o que fizerdes com minha pessoa”.


Este discurso não exerceu o mais mínimo efeito; Jerónimo foi obrigado a ouvir a leitura da acusação, que se reduzia aos seguintes encabeçados:
1) Que era um ridicularizador da dignidade papal.

2)  Um opositor do Pai.

3)  Um inimigo dos cardeais.

4)  Um perseguidor dos prelados.

5)  Um aborrecedor da religião cristã.

O juízo de Jerónimo teve lugar no terceiro dia de sua acusação, e se interrogou a testemunhas em apoio da acusação. O prisioneiro estava disposto para sua defesa, o que parece quase incrível, quando consideramos que tinha estado trezentos e quarenta dias aprisionado numa imunda cela, privado da luz do dia, e quase morto de fome por carência das coisas mais necessárias. Mas seu espírito se elevou por acima destas desvantagens sob as que homens com menor coragem teriam afundado; e não se privou de citar os pais e os autores antigos, como se tivesse estado dotado da melhor biblioteca.


Os mais fanáticos da assembleia não desejavam que fosse ouvido, porque sabiam o efeito que pode ter a eloquência nas mentes das pessoas mais cheias de prejuízos. No final, a maioria prevaleceu em que se devia dar-lhe liberdade para falar em sua própria defesa. Esta defesa a iniciou com uma eloquência tão comovente e sublime que se viu como se fundiam os corações mais cheios de zelo e endurecidos e como as mentes supersticiosas pareciam admitir um raio de convicção. Estabeleceu uma admirável distinção entre a evidência que repousava sobre os fatos, e a sustentada pela malícia e a calúnia. Expus ante a assembleia todo o teor de sua vida e conduta. Observou que os maiores e santos dos homens tinham sido observados diferindo em questões pontuais e especulativas, com vistas a distinguir a verdade, não a mantê-la oculta. Expressou um nobre menosprezo de todos seus inimigos, que o haviam induzido a desdizer-se da causa da virtude e da verdade. Entrou num alto encómio de Huss, e se manifestou disposto a segui-lo no glorioso caminho do martírio. Depois tocou as doutrinas mais defendíveis de Wycliffe, e concluiu observando que estava longe de sua intenção avançar nada em contra do estado da Igreja de Deus; que somente se queixava dos abusos do clero; que não podia deixar de dizer que era certamente coisa ímpia que o património da Igreja, que originalmente tinha sido designado para a caridade e a benevolência universal, se prostituísse pela concupiscência dos olhos, em festas, vestes extravagantes e outros vitupérios para o nome a profissão do cristianismo. Terminado o juízo, Jerónimo recebeu a mesma sentença que tinha sido executada contra seu compatriota mártir. Como consequência disto foi, segundo o estilo do engano papista, entregue ao braço secular; mas como era laico, não podia passar pela cerimónia da degradação. Tinham-lhe preparado uma coroa de papel pintada com demónios vermelhos. Quando a teve colocada sobre a sua cabeça, exclamou: “Nosso Senhor Jesus Cristo, quando sofreu a morte por mim, um pecador mais que miserável, levou sobre Sua cabeça uma coroa de espinhos; por amor d´Ele levarei eu esta coroa”.

Foram-lhe permitidos dois dias, com a esperança que se retratasse; durante este tempo o cardeal de Florência empregou todos seus esforços para tratar de ganhá-lo. porém tudo isso resultou ineficaz. Jerónimo estava resolvido a selar a doutrina com seu sangue, e sofreu a morte com a mais distinguida magnanimidade.

Ao ir para o local da execução cantou vários hinos, e ao chegar no lugar, que era o mesmo no qual Huss tinha sido queimado, se ajoelhou e orou fervorosamente. Abraçou a estaca com grande ânimo, e quando foram por trás dele a acender a lenha, disse-lhes: “Vinde aqui, acendei o fogo diante de minha cara; se eu tiver tido medo das chamas, não teria vindo a este lugar”. Ao acender-se o fogo, cantou um hino, porém logo viu-se interrompido pelas labaredas, e as últimas palavras que se ouviram foram estas: “A ti, oh Cristo, te ofereço esta alma em chamas”.

O elegante Pogge, um erudito cavalheiro de Florência, secretário de dois Papas, e católico zeloso, porém liberal, deu numa carta a Leonard Arotin um amplo testemunho das extraordinárias qualidades e virtudes de Jerónimo, a quem descreve de maneira enfática como um homem prodigioso!

A perseguição de Zisca
O verdadeiro nome deste zeloso servo de Cristo era João de Troczonow; o nome de Zisca é uma palavra boémia, que significa caolho, já que tinha perdido um olho. Era íntima de Boémia, de uma boa família, e deixou a corte de Venceslau para entrar no serviço do rei da Polónia contra os cavalheiros germanos. Tendo obtido um título honorifico e uma bolsa de ducados por seu valor, ao terminar a guerra voltou à corte de Venceslau, ante quem reconheceu abertamente o profundo interesse que se tomava na sanguinária afronta que se tinha feito aos súbditos de sua majestade em Constança, no assunto de Huss. Venceslau lamentava não ter o poder de vingá-lo, e desde este momento se diz que Zisca assumiu a ideia de afirmar as liberdades religiosas de seu país. No ano 1418 se dissolveu o Concílio, tendo feito mais mal que bem, e no verão daquele ano se celebrou uma reunião geral dos amigos da reforma religiosa no castelo de Wisgrade que, dirigida por Zisca, se dirigiram ao imperador com armas na mão, e ofereceram defendê-lo contra seus inimigos. O rei limitou-se a empregar suas armas da maneira devida, e este êxito político assegurou pela primeira vez a Zisca a confiança de seu partido.

Venceslau foi sucedido por seu irmão Segismundo, quem se fez odioso para os reformadores, e eliminou a todos os que estavam em contra de seu governo. Ante isto, Zisca e seus amigos de imediato recorreram às armas, declararam a guerra ao imperador e ao Papa, e puseram sítio a Pilsen com 40.000 homens. Logo se apropriaram da fortaleza, e em breve tempo se submeteu roda a parte sudoeste da Boémia, o que acrescentou grandemente o exército dos reformadores. Tendo tomado estes o passo de Muldaw, depois de um severo conflito de cinco dias e cinco noites, o imperador se alarmou, e retirou suas tropas da fronteira turca, para dirigi-las à Boémia. Se deteve em Bmo de Moravia, e enviou despachos para um tratado de paz, em preparação do qual Zisca entregou Pilsen e todas as fortalezas que tinha tomado. Segismundo agiu de forma que mostrava que verdadeiramente agia com base na doutrina romanista de que não devia guardar a palavra dada aos hereges, e ao tratar com severidade a alguns dos autores das últimas perturbações soou o alarme de um confim até o outro da Boémia. Zisca tomou o castelo de Praga com o poder do dinheiro, e o 19 de agosto de 1420 derrotou o pequeno exército que o imperador tinha mobilizado rapidamente para opor-se a ele. A continuação tomou Ausea por assalto, destruindo a cidade com uma brutalidade que desonrou a causa pela qual lutava.

Ao aproximar-se o inverno, Zisca fortificou seu acampamento num monte forte a umas quarenta milhas de Praga, que chamou Monte Tabor, desde onde surpreendeu a meia-noite um corpo de cavalaria, fazendo mil prisioneiros. Pouco depois, o imperador se fez com a fortaleza de Praga pelos mesmos métodos de Zisca antes; logo foi assediado por este último, e a fome começou a ameaçar o imperador, que viu a necessidade de uma retirada. Decidido a fazer um esforço desesperado, Segismundo atacou o campo fortificado de Zisca em Monte Tabor, e fez uma grande carnificina. Caíram também muitas outras fortalezas, e Zisca se retirou a um monte agreste, que fortificou muito, e desde onde fustigou tanto o imperador em seus ataques contra a cidade de Praga que viu que ou bem devia abandonar o assédio, ou bem derrotar seu inimigo. O marquês de Misnia foi enviado para executar isto último com um grande corpo de tropas, porém este acontecimento foi fatal para os imperialistas; foram derrotados, e o imperador, quem tinha perdido quase um terço de seu exército, levantou o assédio de Praga, fustigado em sua retaguarda pelo inimigo.

Na primavera de 1421 Zisca começou sua campanha, como antes, destruindo todos os mosteiros a seu passo. Assediou o castelo de Wisgrade e, acudindo em auxílio o imperador, caiu numa armadilha, foi derrotado com uma grande matança, e assim foi tomada esta importante fortaleza. Nosso general tinha agora tempo para empreender a obra da reforma, porém sentiu-se muito desgostado pela rústica ignorância e superstição do clero boémio, que se fizeram desprezíveis aos olhos de todo o povo. Quando via sintomas de mal-estar em seu exército, fazia soar o alarme para ocupá-los, e levá-los à ação. Numa dessas expedições acampou frente da cidade de Rubi, e enquanto inspecionava o lugar para o assalto, uma seta disparada desde a muralha lhe deu no olho. Em Praga foi extraída, mas ao ter barbas desgarrou-lhe o olho. Seguiu uma febre, e a duras penas salvou a vida. Ficou totalmente cego, porém desejoso ainda de ajudar o exército. O imperador, quem tinha chamado os estados do império em sua ajuda, resolveu, com eles, atacar a Zisca no inverno, porém muitas de suas tropas foram embora até a primavera.

Os príncipes confederados empreenderam o sítio de Soisin, mas com a simples aproximação do general boémio se retiraram. Contudo, Segismundo avançou com seu formidável exército, consistente em 15.000 efetivos da cavalaria húngara e 25.000 infantes, bem equipados para uma campanha de inverno. Este exército semeou o terror por todo o leste da Boêmia. Aí por onde avançava Segismundo, os magistrados das cidades colocavam as chaves a seus pés, e eram tratados com dureza ou com favor segundo seus méritos em sua causa. Não obstante, Zisca, com marchas forçadas, se aproximou dele, e o imperador resolveu tentar fortuna mais uma vez contra aquele invencível general. O 13 de janeiro de 1422, os dois exércitos se encontraram na espaçosa planície perto de Kremnitz. Zisca apareceu no centro de sua linha frontal, guardado, ou mais bem conduzido, por um cavalheiro a cada lado, armado com um machado. Suas tropas, tendo cantado um hino, tiraram suas espadas com decidida frieza, e esperaram um sinal. Quando seus oficiais lhe informaram que as filas estavam todas bem fechadas, brandiu seu sabre sobre sua cabeça, o que foi o sinal do início da batalha.

Esta batalha tem sido descrita como um terrível espetáculo. Toda aquela planície constituiu uma contínua cena de desordem. O exército imperial se lançou à fuga para os confins da Moravia, sendo fustigados pelos taboritas na retaguarda sem descanso algum. O rio Igla, que estava gelado, se opus a sua passagem. Pressionados furiosamente pelo inimigo, muitos da infantaria, e todo o corpo da cavalaria, tentaram passar o rio. O gelo cedeu, e não menos de dois mil encontraram seu fim naquelas águas. Zisca voltou agora a Tabor, carregado com todos os despojos e troféus que poderia dar a mais completa vitória.

Zisca começou a dar sua atenção agora a Reforma. Proibiu todas as orações pelos mortos, as imagens, as vestes sacerdotais, os jejuns e as festas religiosas. Os sacerdotes deviam ser escolhidos por seus méritos, e ninguém devia ser perseguido por suas opiniões religiosas. Em tudo, Zisca consultou as mentes liberais, e não fez nada sem um consenso geral. Teve lugar em Praga um alarmante desacordo entre os magistrados calixtanos, ou receptores do sacramento em ambas espécies, e os taboritas, nove de cujos chefes foram arrestados em privado e executados. A plebe, enfurecida, deu morte aos magistrados, e a questão terminou sem mais consequências. Tendo ficado os calixtanos afundados no desprezo, se pediu a Zisca que aceitasse a coroa da Boémia, ao qual ele recusou nobremente, e se dedicou a preparar-se para sua nova campanha. Segismundo resolveu empreender seu último esforço. Enquanto o marquês de Misnia penetrava na Alta Saxónia, o imperador se propôs entrar na Morávia pela fronteira da Hungria. Antes que o marquês tomasse o campo, Zisca se assentou diante da cidade forte de Aussig, situada sobre o rio Elba. O marquês se lançou veloz em auxílio com um exército superior em número, mas, depois de uma obstinada luta, foi totalmente derrotado, e Aussig capitulou. Zisca se dirigiu em auxílio de Procop, um jovem general a quem tinha designado para manter em xeque a Segismundo, ao que obrigou a abandonar seu assédio de Pernitz após ter permanecido durante oito semanas sitiando-a.

Zisca, desejando dar a suas tropas algum descanso, entrou agora em Praga, esperando que sua presença acalmaria toda intranquilidade que pudesse ficar após a anterior perturbação. Todavia, foi repentinamente atacado pelo povo; trás desprender-se ele e suas tropas dos cidadãos, se retiraram a seu exército, ao qual fizeram saber da traiçoeira conduta dos calixtanos. Foram feitos todos os esforços de comunicação necessários para apaziguar sua vingativa animosidade e, pela noite, numa entrevista privada entre Roquesan, um clérigo de grande eminência em Praga, e Zisca, este se reconciliou com eles, e as hostilidades que se maquinavam foram anuladas.

Mutuamente cansados da guerra, Segismundo enviou uma mensagem a Zisca, pedindo-lhe que embainhasse a sua espada, e que propusesse suas condições. Estabelecendo-se um lugar para as conferencias, Zisca, com seus principais oficiais, foi encontrar-se com o imperador. Obrigado a passar por uma zona do país onde a peste estava causando estragos caiu atacado por ela no castelo de Briscaw, e partiu desta vida o 6 de outubro de 1424. o mesmo que Moisés, morreu à vista da consumação de sua obra, e foi sepultado na grande Igreja de Czaslow, na Boémia, onde há um grande monumento levantado em sua memória, com esta inscrição: “Aqui jaz João Zisca, que, tendo defendido este país contra as usurpações da tirania papal, descansa neste santo lugar, apesar do papa”.

Depois da morte de Zisca, Procop foi derrotado, e caiu junto com as liberdades de seu país.

Depois da morte de Huss e de Jerónimo, o Papa, junto com o Concílio de Constança, ordenou ao clero romanista em todas partes que excomungassem os que adotassem as opiniões ou que lamentassem sua sorte.

Estas ordens causaram grandes lutas entre os boémios papistas e os reformados, conduzindo a uma violenta perseguição contra estes últimos. Em Praga, a perseguição foi extremamente severa até que, no final, os reformados, reduzidos à desesperação, se armaram, atacaram a casa do senado, e lançaram doze senadores e o presidente pelas janelas, caindo seus corpos sobre lanças, colocadas por outros reformados na rua, para recebê-los.

Informados destes procedimentos, o Papa chegou a Florência e excomungou publicamente os boémios reformados, incitando o imperador da Alemanha e a todos os reis, príncipes, duques, etc., a tomar as armas para extirpar toda a raça, prometendo-lhes, como incentivo, a plena remissão de todo tipo de pecados até para a pessoa mais malvada, se tão-somente davam morte a um reformado boémio.


Este foi o início de uma sangrenta guerra, porque vários príncipes papistas empreenderam a extirpação, ou pelo menos a expulsão, daquele povo proscrito; e os boémios, acudindo às armas, se dispuseram a repelir a força com a força da maneira mais vigorosa e firmeza. O exército papista venceu as forças reformadas na batalha de Cuttenburgh, e os prisioneiros reformados foram levados a três profundas minas perto da cidade, e várias centenas deles foram lançados cruelmente dentro de cada uma, onde morreram miseravelmente.

Um mercador de Praga que ia para Breslau, na Silésia, se alojou na mesma pousada que vários sacerdotes. Iniciando uma conversação sobre a questão da controvérsia religiosa, fez muitos elogios do martirizado John Huss e de suas doutrinas. Os sacerdotes, irados por isto, apresentaram denúncia contra ele na manhã seguinte, e foi lançado no cárcere como herege. Foram realizados muitos esforços por persuadi-lo a aceitar a fé católico-romana, porém se manteve firme nas puras doutrinas da Igreja reformada. Pouco depois de seu encarceramento, colocaram um estudante da universidade na mesma masmorra. Sendo-lhes permitido conversar, se alentaram mutuamente. No dia marcado para a execução, quando o carcereiro começou a amarar-lhes cordas aos pés, com as quais iam ser arrastados pelas ruas, o estudante deu mostras de estar aterrorizado, e ofereceu abjurar de sua fé e fazer-se católico-romano se podia ser perdoado. Sua oferta foi aceita, sua abjuração foi tomada por um sacerdote, e foi libertado. Ao pedi-lhe um sacerdote para seguir o exemplo do estudante, o mercador repus com nobreza: “Não percais o tempo esperando que me retrate; esperareis em vão. De verdade tenho pena daquele pobre desgraçado, que tem sacrificado miseravelmente sua alma por uns poucos e incertos anos a mais desta vida gravosa; bem longe de pensar em seguir seu exemplo, me glorio nos pensamentos mesmos de morrer pela causa de Cristo”. Ao ouvir estas palavras, o sacerdote ordenou o carrasco que prosseguisse, e o preso foi arrastado pelas ruas da cidade, levado ao lugar da execução, e ali queimado.

Pichel, um fanático papista, apreendeu vinte e quatro protestantes, entre os que se encontrava o marido de sua filha. Tendo reconhecido todos eles que eram da religião reformada, os condenou indiscriminadamente a morrerem afogados no rio Abbis. No dia marcado para a execução, acudiu uma grande multidão, entre a que se encontrava a filha de Pichel. Esta digna esposa se lançou aos pés de seu pai, regando-os com seu choro, e lhe implorou da forma mais patética que se compadecesse de sua dor, e que perdoasse seu marido. O endurecido magistrado disse-lhe friamente: “Não intercedas por ele, filha minha; é um herege, um vil herege”. A isto ela replicou nobremente: “Sejam quais forem suas faltas, continua sendo meu marido, um homem que, num momento como este, é o único que deveria receber toda minha consideração”. Pichel se enfureceu e disse: “Estás louca! Acaso não podes, após sua morte, encontrar um marido muito mais digno?”. “Não, senhor (disse ela); meus afetos estão nele, e a mesma morte não dissolverá meus votos matrimoniais”. Mas Pichel se manteve inflexível, e ordenou que se amarrassem as mãos e os pés dos presos, e que deste jeito fossem lançados no rio. Tão logo como isto foi executado, a jovem esperou sua oportunidade, pulou na água e, abraçando-se ao corpo de seu marido, se afundou nele num túmulo de água. Um exemplo insólito de amor conjugal numa esposa, e de uma adesão inviolável e um profundo apego a seu marido.

O imperador Fernando, cujo ódio contra os reformados boémios não conhecia limites, pensando que não os havia oprimido o bastante, instituiu um tribunal supremo de corretores, sobre o plano da Inquisição, com a diferença de que os corretores deviam ser itinerantes, e ir sempre acompanhados de uma companhia de soldados.

Estes corretores consistiam principalmente em jesuítas, e não havia apelação possível a suas sentenças, pelo que pode conjeturar-se facilmente que se tratava de um tribunal verdadeiramente terrível.

Este sanguinário tribunal, assistido por tropas, fez o circuito de Boémia, no qual apenas se interrogaram ou viram algum prisioneiro, deixando que os soldados assassinassem os reformados como gostassem, e que depois lhes dessem um informe do acontecido.

A primeira vítima de sua crueldade foi um ancião ministro, ao qual deram morte enquanto jazia doente em seu leito; no dia seguinte roubaram e assassinaram a outro, e pouco depois a um terceiro, enquanto predicava no púlpito.

Um nobre e um clérigo que residiam num povoado reformado, ao ouvirem da proximidade do alto tribunal corretor e das tropas, fugiram do lugar e se ocultaram. Porém os soldados, ao chegar, apresaram o professor da escola, lhe perguntaram onde tinham-se ocultado o senhor do lugar e o ministro, e onde tinham escondido as riquezas. O professor respondeu que não podia responder a essas perguntas. Então o despiram, o amarraram com cordas, e o açoitaram da forma mais atroz com cassetetes. Ao não lograr extraí-lhe nenhuma confissão, o queimaram em várias partes do corpo; então, para lograr algum descanso de seus tormentos, lhe prometeu mostrar-lhes onde estavam os tesouros. Os soldados o ouviram contentes, e o professor os conduziu a uma fossa cheia de pedras, dizendo: “Em baixo destas pedras estão os tesouros que buscais”. Ansiosos por encontrar dinheiro, se lançaram ao trabalho, e pronto tiraram as pedras. Porém, não achando o que desejavam, bateram no professor até matá-lo, o lançaram no fosso e o cobriram com as pedras que tinha-lhes feito remover.


Alguns dos soldados estupraram a filha de um digno reformado diante de seus olhos, e depois o torturaram até morrer. A um ministro e a sua mulher os amarraram de costas, e os queimaram. A outro ministro o penduraram de uma viga, e acendendo um fogo debaixo dele, o assaram até morrer. A um cavalheiro o trucidaram, e encheram a boca de um jovem com pólvora, e depois a acenderam, voando-lhe a cabeça.

Como a maior fúria da perseguição se dirigia contra o clero, tomaram um piedoso ministro reformado, e atormentando-o a diário durante um mês seguido, da forma como se descreve mais na frente, fizeram de sua crueldade uma atividade sistemática, regular e progressiva.

O colocaram entre eles, e o fizeram objeto de zombaria e escárnio, durante todo um dia de entretenimento, tentando exaurir sua paciência, porém em vão, pois aguentou tudo aquilo com verdadeira paciência cristã. Cuspiram em seu rosto, lhe puxaram o nariz, o beliscaram por todas as partes do corpo. Foi caçado como uma fera, até que esteve quase morto de fadiga. o fizeram correr num túnel entre duas fileiras deles, batendo-o cada um com uma vara. Deram socos nele. O acoitaram com cordas e arames. O surraram com cassetetes. O amarraram pelos calcanhares colocando-o cabeça para abaixo, até que começou a sai-lhe sangue pelo nariz, a boca, etc. o penduraram pelo o braço direito até deslocá-lo, e depois voltaram colocá-lo bem. O mesmo fizeram com o seu braço esquerdo. Puseram-lhe papéis ardendo, empapados em óleo, entre os dedos das mãos e dos pés. Arrancaram a carne com pinças candentes. O colocaram no potro. Lhe arrancaram as unhas da mão direita. O mesmo lhe fizeram com a mão esquerda. Deram-lhe pauladas nos pés. Cortaram-lhe a orelha direita; depois a esquerda; depois o nariz. O levaram por toda a cidade montado sobre um asno, dando-lhe chicotadas durante o caminho. Fizeram-lhe várias incisões na carne. Arrancaram-lhe as unhas dos dedos do pé direito; depois fizeram o mesmo com as do seu pé esquerdo. Foi amarrado pelas costas e suspendido durante muito tempo. Lhe arrancaram os dentes do maxilar superior. Depois fizeram o mesmo com os do inferior. Verteram chumbo fervendo sobre os dedos das mãos. Depois fizeram o mesmo com os dos pés. Lhe apertaram uma corda sobre a testa de tal modo que forçaram seus lhos fora das órbitas.


Durante todas estas horrendas crueldades se tomaram um cuidado particular em que suas feridas não gangrenassem, e em não feri-lo mortalmente até o último dia, no que o forçamento de seus olhos fora de suas órbitas resultou em sua morte.

Foram inúmeros os outros assassinatos e depredações cometidos por aqueles implacáveis e insensíveis brutamontes, e turbadoras para a humanidade foram as crueldades infligidas sobre os coitados reformados boémios. Todavia, por estar demasiado avançado o inverno, o alto tribunal dos corretores, junto com seu infernal bando de rufiões militares, acharam apropriado voltar a Praga; porém de caminho, encontrando um pastor reformado, não puderam resistir a tentação de festejar seus bíblicos olhos com um novo tipo de crueldade, que acabava de surgir da diabólica imaginação de um dos soldados. Tratava-se de desvestir o ministro, e cobri-lo de forma alternada com gelo e brasas acesas. Esta nova forma de atormentar um semelhante foi posta em prática de imediato, e a infeliz vítima expirou sob os tormentos, que pareciam deleitar seus desumanos perseguidores.

O imperador logo deu uma ordem secreta para apressar a todos os nobres e gentis-homens que tinham estado principalmente implicados em sustentar a causa reformada, e em designar a Frederico eleitor palatino do Rhin para ser rei da Boêmia. Estes, que eram cinqüenta, foram apreendidos numa mesma noite, e na mesma hora, e trazidos desde os lugares onde tinham sido apresados ao castelo de Praga; as possessões dos ausentes do reino foram confiscadas, e eles declarados proscritos, e seus nomes colocados em patíbulos, como marcas de pública ignomínia.

O alto tribunal dos corretores procedeu então a julgar os cinquenta que tinham sido apreendidos, e dois reformados apóstatas foram designados para interrogá-los. Estes interrogadores fizeram um grande número de perguntas desnecessárias e impertinentes, o que exasperou de forma tal a um dos nobres, que de natural era de caráter impetuoso, que exclamou, enquanto cobria seu peito: “Corta aqui, busca em meu coração; não achará coisa alguma mais que o amor à religião e à liberdade; estes foram os motivos pelos que desembainhei a espada, e por estes estou disposto a sofrer a morte”.

Como nenhum dos presos queria mudar de religião nem reconhecer que tinha estado num erro, todos foram declarados culpados. Porém a sentença foi remitida ao imperador. Quando o monarca houve lido os nomes e a relação das respectivas acusações, pronunciou sentença sobre todos, ainda que de formas distintas, porque suas sentenças foram de quatro classes: a morte, o desterro, a cadeia perpétua e o encarceramento a discrição.

Vinte deles foram ordenados para a execução, e foi-lhes informado que podiam pedir assistência de jesuítas, monges ou frades, para preparar-se para o terrível trânsito que deviam sofrer. Porém não lhes seria permitida a presença de nenhum reformado. Eles rejeitaram esta proposta, e tentaram tudo o que puderam a fim de consolar-se e alentar-se uns a outros nessa solene ocasião.

Na manhã do dia indicado para a execução, se disparou um canhão como sinal para que os presos fossem trazidos desde o castelo até a principal praça do mercado, onde tinham levantado cadafalsos, e um corpo de tropas para assistir à trágica cena.

Os prisioneiros saíram do castelo com tanto ânimo como se estivessem dirigindo-se a um agradável entretenimento, em lugar de ir afrontar uma morte violenta.

Aparte dos soldados, jesuítas, sacerdotes, carrascos, assistentes, etc., assistiu uma prodigiosa concorrência de plebe, para ver o triunfo destes devotos mártires, que foram executados na seguinte ordem:

O senhor de Schilik tinha uns cinquenta anos de idade, e umas grande qualidades naturais e adquiridas. Quando lhe disseram que seria esquartejado, e que seus membros seriam dispersados por diferentes lugares, sorriu com grande serenidade, dizendo: “A perda da sepultura é uma consideração mais que nímia”. Ao gritar-lhe um cavalheiro que estava perto, dizendo: “Valor, meu senhor!”, ele respondeu: “Tenho o favor de Deus, que é suficiente para inspirar valor a qualquer; não me turba o temor à morte; antes a tenho enfrentado em campos de batalha ao opor-me ao Anticristo; e agora me enfrentarei a ela no cadafalso, por causa de Cristo”. Tendo feito uma curta oração, disse ao carrasco que estava pronto. Este lhe cortou a mão direita e a cabeça, e depois o esquartejou. Sua mão e sua cabeça foram colocadas na alta torre de Praga, e seus quartos distribuídos por diferentes partes da cidade.

O senhor visconde Venceslau, que havia chegado até a idade de setenta anos, era igualmente respeitável por sua erudição, piedade e hospitalidade. Seu caráter era tão paciente que quando sua casa foi violentada, e sua propriedade tomada e suas fincas confiscadas, somente disse, com grande compostura: “O Senhor o deu, o Senhor o tirou”. Ao perguntar-lhe por que dedicava-se a uma causa tão perigosa como a de tratar de sustentar o eleitor palatino Frederico contra o poder do imperador, respondeu: “Tenho agido estritamente segundo os ditados de minha consciência, e, até o dia de hoje, o considero meu rei. Agora estou cheio de anos, e desejo dar minha vida para não ser testemunha dos adicionais males que sobrevirão ao meu país. Faz muito tempo que estais sedentos de meu sangue. Tomai-o, porque Deus será meu vingador”. Depois, aproximando-se ao talho, afagou sua longa barba cinza, e disse: “Cabelos veneráveis, quanta maior honra vos espera, uma coroa de martírio é a vossa parte”. Depois, colocando a cabeça, foi-lhe separada do corpo de um só golpe, e cravada numa estaca numa parte visível da cidade.


O senhor de Harant era homem de bom sentido, grande piedade e muita experiência ganha em suas viagens, porquanto tinha visitado os principais lugares da Europa, Ásia e África. Por isso estava livre de prejuízos nacionais, e tinha adquirido muito conhecimento.

A acusação em contra deste nobre era que era protestante, e que tinha feito juramente de adesão a Frederico, eleitor palatino do Reno, como rei da Boémia. Quando chegou ao cadafalso, disse: “Tenho viajado por muitos países, e atravessado várias nações bíblicas, porém nunca achei tanta crueldade como em minha pátria. Tenho escapado de numerosos perigos por mar e terra, e me sobrepôs a dificuldades inconcebíveis, para sofrer inocentemente no lugar que me viu nascer. Meu sangue é do mesmo modo procurado por aqueles por quem eu, e meus antepassados, temos arriscado nossas possessões; porém, oh, Deus omnipotente, perdoa-os, porque não sabem o que fazem!”. Depois foi até o talho, se ajoelhou, e exclamou com grande energia: “Em tuas mãos, oh, Senhor, encomendo meu espírito! Em Ti tenho sempre confiado. Recebe-me, pois, meu bendito Redentor”. Caiu então o golpe fatal, e recebeu o ponto final para as dores temporárias desta vida.

O senhor Frederico de Bile sofreu como protestante, e como promotor da última guerra; afrontou sua sorte com serenidade, e somente disse que desejava o bem aos amigos que deixava para trás, que perdoava os inimigos causantes de sua morte, que rejeitava a autoridade do imperador naquele país, reconhecendo a Frederico como único rei legítimo da Boémia, e que confiava para sua salvação nos méritos de seu bendito Redentor.

O senhor Henrique Otto, quando chegou ao patíbulo, parecia muito confundido, e disse, com uma certa aspereza, como se dirigindo-se ao imperador: “Tu, oh tirano Fernando, teu trono está estabelecido em sangue, porém se das morte a meu corpo, e dispersas meus membros, contudo se levantarão para sentar-se em juízo contra ti”. Depois calou- se, e tendo caminhado durante um certo tempo em volta do cadafalso, pareceu recobrar suas energias e acalmar-se, e disse então a um cavalheiro que estava perto: “Faz poucos minutos estava muito enfermo, porém agora sinto avivar meu espírito; Deus seja louvado por conceder-me tal consolo; a morte já não aparece como rei do espanto, senão que parece convidar-me a participar de alguns gozos desconhecidos”. Ajoelhando-se ante o talho, disse: “Deus omnipotente! A Ti encomendo minha alma. Recebe-a por causa de Cristo, e admite-a na glória de tua presença”. O verdugo causou muito sofrimento a este nobre, ao dá-lhe vários golpes antes de separe-lhe a cabeça do corpo.


O conde de Rugénia destacava por suas grandes qualidades e piedade não fingida. No cadafalso disse: “Os que tiramos as nossas espadas lutamos só para preservar as liberdades do povo e para guardar invioladas nossas consciências. Como vencemos, me comprazo mais na sentença de morte que se o imperador me tiver concedido a vida; porque vejo que a Deus lhe apraz que Sua verdade seja defendida não pelas nossas espadas, mas pelo nosso sangue”. Depois avançou com resolução para o talho, dizendo: “Agora logo estarei com Cristo”, e recebeu com grande valor a coroa do martírio.

O senhor Gaspar de Kaplitz tinha oitenta e seis anos de idade. Quando chegou no lugar da execução, se dirigiu assim ao principal oficial: “Aqui tens um pobre ancião que amiúde lhe pediu a Deus que o tirasse deste mundo malvado, mas que não pôde até agora obter seu desejo, porque Deus me reservou até estes anos para ser um espetáculo para o mundo e um sacrifício para si mesmo. Por isso, seja feita a vontade de Deus”. Um dos oficiais lhe disse que em consideração a sua avançada idade, se tão-somente pedia perdão, lhe seria concedido de imediato. “Pedir perdão!”, exclamou ele. “Somente pedirei perdão a Deus, a quem frequentemente tenho ofendido, mas não ao imperador, a quem jamais dei motivo algum de agravo; se agora pedisse perdão, poder-se-ia suspeitar com justiça que tenha cometido algum crime que merecesse esta condena. Não, não, já que morro como inocente, e com uma limpa consciência, não gostaria de separar-me desta nobre companhia de mártires”. Dito isto, colocou animadamente seu pescoço sobre o talho.

Procopius Dorzecki disse, no patíbulo: “Estamos agora sob condenação do imperador, mas a seu tempo ele será julgado, e nós compareceremos como testemunhas contra ele”. Depois, tomando uma medalha de ouro de seu pescoço, que tinha sido cunhada quando Frederico fora coroado rei da Boémia, a apresentou a um dos oficiais, dizendo-lhe ao mesmo tempo estas palavras: “Como homem a ponto de morrer, peço que se jamais o rei Frederico é restaurado no trono da Boémia, lhe entregueis esta medalha. Dizei-lhe que por sua causa a levei até a morte, e que agora entrego bem disposto minha vida por Deus e por meu rei”. Depois disso, bravamente colocou a cabeça e se submeteu ao golpe fatal.

Dionísio Sérvio tinha sido criado como católico-romano, mas fazia vários anos que tinha abraçado a religião reformada. Quando se encontrou sobre o cadafalso, os jesuítas exerceram todos seus esforços por lograr sua retratação e que voltasse a sua anterior fé, mas não prestou a menor atenção a suas exortações. Ajoelhando-se, disse: “Podeis destruir meu corpo, mas não podeis danificar minha alma, que encomendo a meu Redentor”; depois se submeteu paciente a seu martírio, tendo então cinquenta e seis anos.

Valentim Cockam era pessoa de considerável fortuna e eminência, perfeitamente piedoso e honrado, mas de poucas dotes. Sem embargo, sua imaginação pareceu fazer-se mais brilhante, e suas faculdades melhorarem ao aproximar-se a morte, como se o iminente perigo refinasse seu entendimento. Justo antes de ser decapitado se expressou com tal eloquência, energia e precisão que deixou atónitos a todos os que conheciam sua anterior deficiência em quanto aos seus dotes pessoais.


Tobias Stelfick foi notável por sua afabilidade e serenidade. Estava totalmente resignado a sua sorte, e poucos minutos antes de sua morte falou desta forma singular: “Durante o curso de minha vida tenho recebido muitos favores de Deus; não deveria então, alegre, aceitar um cálice amargo, quando Ele considera apropriado apresentá-lo? Ou antes bem, não deveria eu regozijar-me que seja Sua vontade que dê uma vida corrompida em troca da imortalidade?”


O doutor Jessenius, um capaz estudante de medicina, foi acusado de falar palavras desrespeitosas contra o imperador, de traição por ter jurado adesão ao eleitor Frederico, e de heresia por ser protestante. Pela primeira acusação lhe cortaram a língua; pela segunda, foi decapitado; e pela terceira foi esquartejado, e as partes respectivas exibidas sobre estacas.

Cristóvão Chover, em quanto se viu sobre o patíbulo, disse: “Venho em nome de Deus, para morrer por Sua glória; lutei o bom combate, acabei minha carreira; assim sendo, carrasco, executa teu ofício”. O algoz obedeceu, e no instante recebeu a coroa do martírio.

Ninguém viveu mais respeitado nem morreu mais lamentado que John Shultis. As únicas palavras que disse antes de receber o golpe fatal foram: “Aos olhos dos néscios parece que os justos morrem, mas somente vão ao seu repouso. Senhor Jesus! Tu prometeste que os que a Ti vêm não serão lançado fora. Eis aqui, eu vim; olha para mim, tem piedade de mim, perdoa meus pecados, e recebe minha alma”.

Maximiliano Hostialick era famoso por sua erudição, piedade e humanidade. Quando chegou ao começo do cadafalso parecia totalmente aterrado ante a iminência da morte. Ao perceber o oficial sua agitação, lhe disse Hostialick: “Ah, senhor, agora se amontoam em minha mente os pecados de minha juventude, mas espero que Deus me iluminará, não seja que durma o sono da morte e digam meus inimigos que prevaleceram sobre mim”. Pouco depois disse: “Espero que meu arrependimento seja sincero, e que seja aceito, em cujo caso o sangue de Cristo me lavará de meus crimes”. Depois disse ao verdugo que ia repetir o Cântico de Simeão, após o qual poderia exercer seu ofício. Assim, ele disse: “Agora despedes, Senhor, a teu servo, conforme a tua palavra, em paz; porque meus olhos viram tua salvação”. Ao acabar estas palavras, o carrasco cortou a cabeça de um único golpe.

Quando John Kutnaur chegou ao lugar da execução, um jesuíta lhe disse: “Abraça a fé católico-romana, a única que pode salvar-te e armar-te contra os terrores da morte”. A isto ele replicou: “Vossa supersticiosa fé eu aborreço; conduz à perdição, e não desejo outras armas contra os terrores da morte que uma boa consciência”. O jesuíta se afastou, dizendo sarcasticamente: “Os protestantes são rochas impenetráveis”. “Você está errado”, disse-lhe Kurnaur. “É Cristo a Rocha, e nós estamos firmes nEle”. Este homem, ao não ter nascido na nobreza, porém tinha feito sua fortuna num trabalho manual, foi sentenciado a ser enforcado. Antes de ser suspenso, disse: “Morro, não por ter cometido crime algum, senão por seguir os ditados de minha consciência, e por defender meu país e minha religião”.


Simeão Sussickey era sogro de Kutnaur, e igual que ele, foi sentenciado à forca. Foi animoso à morte, e parecia impaciente por ser executado, dizendo: “Cada momento me retarda de entrar no Reino de Cristo”.

Natanael Wodianskey foi enforcado por ter apoiado a causa protestante e a eleição de Frederico à coroa da Boémia. Ante a forca, os jesuítas fizeram tudo o possível por levá-lo a renunciar a sua fé. Ao verem ineficazes seus esforços, um deles disse: “Se não queres abjurar de tua heresia, te arrependerás pelo menos de tua rebelião?” Ao qual Wodnianskey replicou: “Nos tirais a vida sob a pretendida acusação de rebelião, e não contentes com isso quereis destruir as nossas almas; fartai-vos de nosso sangue, e ficai satisfeitos, mas não manipuleis nossas consciências”.


O próprio filho de Wodnianskey se aproximou então à forca, e disse a seu pai: “Senhor, se fossem oferecer-vos a vossa vida com a condição da apostasia, vos rogo que vos lembreis de Cristo, e que rejeiteis tal oferecimento pernicioso”. Ao que o pai respondeu: “É muito aceitável, meu filho, ser exortado por você à constância; porém, não abrigues suspeitas acerca de mim; antes bem trata de confirmar na fé a teus irmãos, irmãs e filhos, e ensina-lhes a imitar a constância da que lhes darei exemplo”. Apenas se tinha acabado estas palavras quando foi enforcado, recebendo a coroa do martírio com grande fortaleza.


Durante seu encerro, Venceslau Gisbitzkey abrigou grandes esperanças de que lhe seria concedida a graça da vida, o que fez temer a seus amigos pela sorte de sua alma. Contudo, se manteve firme em sua fé, orou fervorosamente ante a forca, e afrontou a morte com peculiar resignação.

 
Martin Foster era um ancião aleijado; a acusação contra ele era mostrar caridade aos hereges, e emprestar dinheiro ao eleitor Frederico. Mas parece que seu principal delito tinha sido sua grande riqueza; e foi para ser saqueado de seus tesouros que foi unido a esta ilustre lista de mártires.

 

Fonte: O Livro dos Mártires – John Fox – Pág. 155