Ao longo dos séculos, sem nenhuma vergonha, a arte foi usada
para fazer História usando da mentira
Certo dia, quando eu era garoto, o meu professor de
religião, Dom Emílio Cláudio, trouxe na sala de aula duas estampas coloridas,
ambas mostrando o bispo de Roma junto do imperador Constantino.
Na primeira estampa via-se um enorme salão com 225 bispos,
todos paramentados como se fossem para uma grande festa religiosa, sentados em
forma circular ao redor do bispo de Roma.
Na parte de baixo da estampa estavam os soldados armados de
lança e no teto do salão, bem no meio de um clarão aparecia uma pomba
simbolizando o Espírito Santo que lançava Seus raios de luz sobre o bispo de
Roma, sentado num trono muito elevado com oito degraus, de modo que seus pés
estavam à altura da cabeça dos demais bispos.
Ele estava paramentado com a roupa pontifical e tinha na
cabeça uma tiara de ouro. A tiara, na sua origem, era um barrete que no Oriente
antigo era símbolo da soberania plena e total.
Naquelas primitivas épocas, este barrete tinha a forma de bolbo.
Os bispos de Roma começaram a usá-lo nas grandes cerimónias religiosas a partir
de Anastácio II (496-498). Mais tarde a tiara foi encimada por três coroas
ducais de ouro que representavam o poder espiritual, o poder político e o poder
eclesiástico.
A tiara era rematada
por um globo que representava o planeta Terra, simbolizando assim a autoridade
total, universal e plena do bispo de Roma sobre todos os reis, bispos e povos
do planeta.
Três degraus abaixo do trono do bispo de Roma a estampa
apresentava o imperador Constantino envolto num amplo manto e tendo na cabeça
uma simples coroa de príncipe. A estampa reproduzia o bispo de Roma, Silvestre
I, presidindo, juntamente a Constantino, o Concilio de Nicéia do ano 325.
A segunda estampa colorida que Dom Cláudio nos apresentou
não era tão bonita como a primeira porque as pessoas pareciam imóveis com
gestos estilizados que as tornavam ridículas.
Um e outro garoto da sala começou a rir e todos teríamos
acabado rindo, se não fosse o olhar do sacerdote. Nesta segunda estampa via-se
o bispo de Roma sentado num trono bem alto, que recebia do imperador
Constantino uma tiara.
O imperador estava ajoelhado, de cabeça descoberta, dando a
entender que havia tirado a sua tiara e estava dando-a ao bispo de Roma como se
estivesse oferecendo-lhe o poder político e temporal.
Nas duas estampas o bispo era Silvestre I, de Roma. O leitor
perguntará: por que as duas estampas são mentirosas? Resposta: as duas estampas
são mentirosas por vários motivos.
Primeiro: não foram pintadas na época de Constantino. A
primeira, aquela do Concilio de Nicéia, é um afresco do século XVI e se
encontra na igreja de São Martinho, em Roma; portanto, foi pintada 1.200 anos
após o acontecimento, isto é, quando já havia sido realizada a ideologia do
poder pontifício.
Naquele distante ano de 325 os bispos não vestiam nenhuma
roupa sacerdotal ou episcopal e muito menos cobriam a cabeça. Vestiam-se como
qualquer leigo; aliás, considerando as condições da época podemos dizer que,
com exceção de Roma, até o ano de 325 vestiam-se pobremente; o luxo começou
depois do Concilio de Nicéia.
Segundo: Silvestre I não participou do concilio;
contentou-se em enviar alguns padres para saber de que se tratava. Era velho
demais!
Terceiro: jamais Constantino se teria sentado alguns degraus
abaixo da cadeira do bispo de Roma e muito menos em ato de ajoelhar-se, porque
no seu modo de ver as coisas, era ele, o imperador, que levava à frente
qualquer assunto religioso: fosse ele pagão ou cristão, não fazia diferença.
O bispo de Roma era para Constantino e para os demais
bispos, um simples encarregado da Igreja de Roma, sem nenhuma autoridade ou
projeção a não ser a honra (não o poder) que lhe vinha por estar em Roma.
Noutras palavras: era Roma que honrava o bispo e não a presença do bispo que
honrava Roma!
Quarto: durante o Concilio de Nicéia ninguém jamais
perguntou o que pensava o bispo de Roma: ele era completamente desconhecido.
Ora, isto é de uma importância histórica e teológica enorme tratando-se de uma
reunião tão numerosa com bispos vindos de todos os cantos do império.
O historiador jesuíta padre L. Maimbourg, francês, escreveu
em 1673 uma "Histoire de L'arianisme" onde lemos (capítulo I) que no
Concilio de Nicéia Constantino dominava "como senhor de todos (...)
representando perfeitamente a majestade de Deus (...) e abaixo dele, na sua
ausência, ou mesmo estando ele presente, sentava Osias, bispo de Córdoba,
emissário imperial em todos os concílios da época, que ocupava a cadeira
principal por ser o deputado imperial. Ao bispo de Roma, nem sequer as decisões
conciliares eram transmitidas".
Com efeito, não se tinha por ele maior consideração do que
se tinha para os pobres bispos do interior.
É por este motivo que a primeira estampa que Dom Cláudio nos
mostrou era mentirosa.
Mas a outra estampa também era mentirosa. Em primeiro lugar
sabemos que é um afresco do ano de 1246 na igreja dos
"Santi-quattro-coronati" em Roma.
Então foi pintada cerca de 900 anos depois do acontecimento
de Nicéia, e precisamente numa época em que a Igreja de Roma havia aceitado a
tese de que o bispo romano é o representante de Deus na Terra com a plenitude
dos poderes eclesiásticos e políticos, podendo tanto nomear reis e imperadores
como removê-los do trono.
Mas quem olhava a estampa compreendia que o poder político e
temporal foi-lhe dado por Constantino. Noutras palavras; as terras ao redor de
Roma foram presenteadas pelo imperador e a tiara que Constantino oferecia-lhe,
tirando-a da sua cabeça, era o símbolo do poder temporal.
A estampa se refere à célebre doação de Constantino. Célebre
porque foi tão bem inventada que até reis e imperadores acreditaram nela por
centenas de anos.
Em segundo lugar, esta estampa não é verídica porque
representa Constantino em ato de ajoelhar-se e o bispo de Roma sentado no trono
bem acima do imperador: o que jamais aconteceu porque qualquer bispo não
passava, para Constantino, mais do que um guardião da Igreja.
Com efeito, sabemos pela História que se Sta. Helena
conseguiu fazer-lhe aceitar Jesus Cristo, ao menos em nível emocional, a
aceitação do cristianismo como estrutura religiosa jamais foi aceita por
Constantino.
A melhor prova disso é ter ele recebido o batismo pouco
antes de morrer, mas não para tornar-se cristão e sim para ter seus pecados perdoados.
Com efeito, é simplesmente falso pensar num Constantino que recebe o batismo
para tornar-se "súdito" de um bispo!
Para concluir, não posso deixar de relatar o que me
aconteceu certo dia enquanto estava fuçando nos velhos (e preciosos) "sebos"
do Rio de Janeiro...
Aconteceu que encontrei um belíssimo livro ricamente
encadernado que tinha por título: "II grande libro dei Concili" e por
subtítulo: "Um capítolo della storia del mondo da immagini, edifici e
documenti"; Edizioni Paoline; Roma; 1962; autor: Anton Henze.
Eram 300 páginas, metade das quais eram esplêndidas
fotografias que salientavam diferentes momentos da história do bispo de Roma.
E assim, folheando as fotografias, encontrei as duas
estampas que acabo de apresentar ao leitor: a fotografia número 5 representa o
imperador Constantino oferecendo a tiara a Silvestre I; e a fotografia número 7
representa o papa Silvestre I, que preside o Concilio de Nicéia com o imperador
Constantino sentado bem abaixo de seu trono.
Fotografias assim viajam pelo mundo afora criando ideias: ideias
erradas, claro! Mas como ninguém explica, acontece que a imagem mesmo falsa,
cria História.
Autor: Carlo Bússola, professor de Filosofia na UFES
Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” –
Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.
Comentários do IASD Em Foco
Junto com a erudição do Dr. Carlo Bússola, enfatizamos a sua
total isenção e honestidade intelectual [tão carente, diga-se de passagem,
entre historiadores, teólogos, proclamados apologetas, pastores e outros
líderes religiosos da atualidade].
Quanto a isso, veja-se a nota de advertência que com frequência
aparece na maioria dos artigos da série. No entanto, ressalte-se que os fatos
falam por si mesmo sobre a origem insidiosa deste sistema da falsa religião,
como predita pelo profeta Daniel, apóstolo Paulo, João e outros (Daniel 7:8-10;
Atos 20: 28-30; II Tessalonicenses 2:3-4 e 7-12; Apocalipse 13:1-10).
Dada a sua importância crucial, estes assuntos aqui
abordados dizem respeito a todos os cristãos – católicos, evangélicos,
ortodoxos, renovados, protestantes, etc. – independente da coloração ideológica
ou denominacional; pois, a Bíblia afirma taxativamente que este sistema da
falsa religião, erigido em cima da “ideologia do poder”, contaminou
praticamente todas as religiões cristãs: “Seguiu-se outro anjo, o segundo,
dizendo: Caiu, caiu a grande Babilónia que tem dado a beber a todas as nações
do vinho da fúria da sua prostituição” (Apocalipse 14:6). “... pois todas as nações têm bebido do vinho
do furor da sua prostituição...” (Apocalipse 18:3, p.p.).
Fazendo, em tempo, uma correção no “endereço” desta solene
mensagem de advertência, nós verificamos que ela se destina a todos os
habitantes da Terra; afinal, agora nos derradeiros momentos da História o
complexo babilónico da falsa religião abarcará toda a Terra e, portanto, todo
habitante deste planeta terá que tomar a sua decisão de um lado ou do outro, a
favor da Verdade (Apocalipse 14:12) ou do lado do erro (Apocalipse 14:9-11).
Repetimos: o domínio da falsa religião será planetário; é a
globalização do erro: “Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e
os vencesse. Deu-se-lhe ainda autoridade sobre cada tribo, povo, língua e
nação; e adorá-la-ão todos os que habitam sobre a Terra, aqueles cujos nomes
não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação
do mundo” (Apocalipse 13:7-8).
Em tempo, “vinho” em linguagem profética significa
“doutrina” e, por conseguinte, a Bíblia afirma que, embora repudiem a idolatria
e outras práticas abomináveis de Babilónia, suas “filhas”, praticamente todas
as religiões ditas cristãs, beberam – assimilaram em seu corpo doutrinário – as
principais doutrinas do “cardápio” de Babilónia.