Esses primeiros bispos romanos são todos de uma
insignificância muito grande
O primeiro bispo de Roma de que se tem certeza foi Lino, que
morreu por volta do ano 67 d.C. depois de ter escrito, segundo o historiador
Platino, algo referente à luta de São Pedro com Simão Mago.
Em seguida veio Anacleto, ou Cleto, como alguns preferem,
que cuidou dos fiéis romanos por seis anos. Parece que foi ele que dividiu Roma
em "títuli" ou paróquias, ordenando os primeiros sete diáconos.
Parece que morreu em 71: uns dizem como mártir, outros o negam.
Veio em seguida a Clemente, de quem já falamos bastante nos
artigos passados quanto às suas ideias sobre a constituição do cristianismo.
Pouco se sabe da vida dele. Parece que morreu mártir. Assim
afirmam Rufino e o bispo Zósimo, embora Eusébio e Gerónimo o neguem. Ireneu nos
deixou escrito que o primeiro bispo romano mártir foi Telésforo.
Por aí o leitor vê a dificuldade de encontrar a verdade
histórica desses primeiros séculos. Clemente morreu em 101, quando era
imperador Trajano. Sucedeu-lhe Evaristo (101-109) que o "Liber
Pontificalis" chama de mártir na perseguição de Trajano. Ordenou seis
padres, cinco bispos e dois diáconos.
Então foi eleito Alexandre (109-116). O cardeal Barônio, em
sua "Cronologia", coloca a eleição de Alexandre no ano de 121
enquanto a Enciclopédia Mirador o coloca no ano de 109. Alguns autores dizem
que o imperador Adriano deu liberdade ao culto cristão, na época do bispo
Alexandre.
Como isto foi possível é difícil de explicar, já que Adriano
reinou de 117 até 138... Nenhuma cronologia destes primeiros séculos combina! O
"Liber Pontificalis" diz que morreu mártir; Sto. Ireneu diz que
morreu normalmente em sua cama.
A importância deste bispo romano é ter inventado o ritual da
água benta para afugentar o demónio; do pão ázimo e do vinho com água para o
ritual da missa.
Mas o cardeal Barônio diz que a água benta, por ser um
ritual muito santo, só podia ser inventada
pelos apóstolos. E, no entanto, do ponto de vista histórico nós sabemos que a água benta é um antigo ritual pagão dos velhos romanos.
pelos apóstolos. E, no entanto, do ponto de vista histórico nós sabemos que a água benta é um antigo ritual pagão dos velhos romanos.
Sucedeu-lhe Xisto (117-126). Pouco e muito confuso é o que
sabemos dele. Parece que instituiu a Quaresma. Foram-lhe atribuídas duas
decretais que começam assim: "Xisto, bispo universal da Igreja apostólica,
a todos os bispos, saúde em. Deus nosso Senhor; etc."
Mas os historiadores Marino e Baluze provaram tratar-se de
documentos apócrifos, forjados séculos mais tarde, para fundamentar a ideologia
do poder do bispo de Roma.
Até o historiador padre Pagi afirma tratar-se de documentos
falsos pois esse título de "bispo universal" nunca foi usado nos
primeiros séculos. Mais tarde os bispos de Roma irão usar outras metáforas como
"servo dos servos de Deus".
Sucedeu-lhe Telésforo (126-136), do qual só sabemos que era
grego de nascimento e havia morado num convento desde jovem. Sucedeu-lhe Higino
(137-141), também grego de nascimento; era filho de um filósofo cujo nome não
sabemos.
Exigiu que cada neófito ao ser batizado fosse apresentado
por um padrinho ou madrinha. Nesta época houve grande propagação das ideias
gnósticas no meio cristão.
Sucedeu-lhe Pio (141-154), do qual nada se sabe com certeza.
As notícias que dele temos são muito contraditórias. Sucedeu-lhe Aniceto
(154-166), do qual sabemos que era sírio e teve muitas discussões com o bispo
Policarpo, discípulo de João Evangelista quanto à data da Páscoa; pois
Policarpo, como todos os orientais, queria que fosse celebrada segundo o
calendário judaico.
Mas Aniceto não concordou: foi a primeira violação de um
costume adotado pelos apóstolos.
Aniceto teve que combater os carpocracianos, que sustentavam
que os homens, mesmo cristãos, podiam e deviam gozar todos os prazeres
possíveis; que as mulheres deviam pertencer a todos os homens; que não havia
ressurreição da carne; que Jesus não passava de mito.
Foi nesta época que os eclesiásticos tiveram que refazer o
evangelho original de Marcos porque estes carpocracianos se baseavam em trechos
ambíguos deste evangelho (veja meu artigo n° 444, de 21/11/95).
Aniceto foi o primeiro que exigiu dos padres romanos a
tonsura, no alto da cabeça, em forma de coroa.
Sucedeu-lhe Sotero (166-175) que, segundo a tradição, exigiu
que os recém-casados depois da cerimónia civil fossem tomar a bênção do bispo.
É tradição mas não é certo. Provavelmente a bênção do bispo é uma invenção do
século XI para salientar o poder eclesiástico.
Note o leitor que se trata de bênção, só. A presença do
padre será uma exigência do concilio de Trento, quando se chegará ao absurdo de
dizer que o casamento cristão é válido só quando realizado na presença de um
eclesiástico autorizado pelo bispo.
Sucedeu-lhe Eleutério (175-189). Nesta época era bispo em
Alexandria o célebre Clemente, que escreveu "Strómata", um pequeno
tratado de Filosofia Cristã onde, entre outras observações, podemos ler:
"Demócrito e Epicuro olhavam o casamento como a principal origem de todos
os males; os estóicos consideravam-no um ato sem importância e os discípulos de
Aristóteles como o menor de todos os males. Mas nenhum destes filósofos tinha
autoridade para julgar ou para apreciar o casamento porque todos se davam às
práticas de sodomia."
"Na religião cristã o casamento é uma instituição
moral. Ordena-se a conformação do nosso corpo e o mesmo Deus que disse: crescei
e multiplicai-vos. (...) O casamento é o germe da família que é a pedra
fundamental da sociedade; e os sacerdotes cristãos devem ser os primeiros a dar
o exemplo, contraindo uniões sagradas".
"Os nicolaitos e os discípulos de Carpocrates e de seu
filho Epífânio pregaram a comunidade das mulheres e cometeram um grande crime
perante Deus; são contudo menos culpados dos que renunciam às doçuras do
casamento para não aumentar o número dos filhos da humanidade."
"Igualmente condenáveis são os que pretendem que as
relações sexuais nos desviam da oração, como é de se condenar Júlio Cassiano
que por ódio à reprodução da humanidade chegou a afirmar que Cristo nunca teve
mais que as aparências dos Órgãos viris. (...)"
"Todos esses insensatos recusam-se obstinadamente a
seguirem os exemplos dos apóstolos São Pedro e São Paulo, que eram casados e
coabitavam com suas mulheres e tinham numerosos filhos"... (Não é
interessante este trecho escrito cerca de 100 anos após a morte de Pedro e de
Paulo?).
Ao bispo Eleutério sucedeu Vitor (189-199), que era natural
da África e suscitou novamente a discussão da data da festa da Páscoa
escrevendo veementes cartas a todos os bispos do Oriente próximo, ameaçando
excomungar quem não aceitasse seu ponto de vista.
Mas esses bispos orientais reagiram com palavras duras
pedindo-lhe que ficasse quieto na sua cidade de Roma. Até Sto. Ireneu lhe
enviou uma carta, em nome dos cristãos da Gália, censurando-o por ter mexido na
data da Páscoa.
Sucedeu-lhe Zefirino (199-217), que por ser natural de Roma
se deixou impressionar pelo cargo de bispo da capital do império e pensou ser
uma espécie de imperador espiritual, mas na perseguição de Caracallo fugiu para
não ser morto.
Reapareceu quando voltou a calmaria e, para fazer esquecer a
sua covardia, perseguiu os heréticos e excomungou os montanistas e, com eles,
Tertuliano.
Mas nenhum bispo, no Oriente ou no Ocidente, protestou
contra aquilo que Tertuliano havia escrito, isto é: "As nossas Igrejas são
todas apostólicas e, todas juntas, formam uma só Igreja. Pela comunhão da paz e
pelo mútuo tratamento de irmãos e pelos vínculos de hospitalidade que
entrelaçam todos os fiéis".
Para Tertuliano não havia nenhum Primado de bispos romanos:
eram todos iguais... E o bispo de Roma Zefirino
não reagiu e concordou.
Autor: Carlo Bússola, professor de Filosofia na UFES
Fonte: Publicado originalmente no jornal “A Tribuna” –
Vitória-ES, numa série sob o título “Os Bispos de Roma e a Ideologia do Poder”.