03/05/2012

A Liberdade Religiosa na América

A completa liberdade religiosa encontrou seu primeiro lar no solo americano e Rhode Island se tornou, na história do mundo, a primeira comunidade em que ela se tornou lei fundamental. Seu zeloso advogado, o rev. Roger Williams, atravessara o Atlântico pela liberdade da alma, como a tratava, e, por sua causa, em parte, sofrera banimento de Massachusetts e os rigores do "deserto gemedor" em tempo de inverno. Providência, onde se refugiou, devia ser, segundo suas próprias palavras - "asilo das pessoas oprimidas por motivo de consciência". Em seu tratado - The Bloudy Tenent of Conscience - defendeu aquele princípio, enfrentando a pena do sustentáculo teológico da teocracia no Massachusetts, rev. João Cotton. Williams conquistou merecido lugar na Galeria da Fama. Foi o progenitor dos Fundadores da República Americana, que manteve a Constituição isenta de distinções religiosas. O estado de mente do Massachusetts foi evocado por um dos contemporâneos de Williams, em um de nossos mais curiosos, livros - The Cobler of Aggawam, escrito pelo rev. Natanael Ward, de Aggawam, hoje denominada Ipswich. O escritor expressou a opinião de que "O Estado pode ser conivente com religiões e opiniões falsas, em alguns casos, mas não admitir nenhuma delas"; sendo que o Estado que tolera religiões falsas é "um jardim zoológico, um aviário de erros". A liberdade de consciência ele a declarou ser nada mais do que " a libertação do pecado e do erro" e adiantou que "ficava atônito ante os que intercediam por que os homens tivessem liberdade em sua consciência, uma vez que é perseguição o privá-los de a ter". Ainda em 1683, o presidente Oakes, do Colégio de Harvard, se expressava nestes termos: "Encaro a tolerância como a primogênita de todas as abominações. Foi a tolerância que tornou o mundo anticristão". Em Boston a opinião sofria, entretanto, mudança, como o prova o exemplo de Cotton Mather. Tem-se corajosamente alegado que os católicos romanos foram os precursores da liberdade religiosa no Continente Americano pela tolerância dispensada aos protestantes na colónia de Maryland. Apela-se para a carta de instruções que Lord Baltimore, católico romano, endereçou a seu irmão, Leonardo Calvert, que conduziu os primeiros colonizadores, em 1634, para que "no mar e na terra o contingente protestante não fosse molestado por palavra ou ato".. Os fatos são estes: as Instruções se basearam em considerações de conveniência e não no carácter sagrado das convicções religiosas. Lord Baltimore não mencionou os direitos da consciência. Havia iniciado a empresa com intuitos comerciais. A política de porta aberta se tornou imperativa, em face das opiniões religiosas dos colonos, cuja maioria era de protestantes. Também ela se tornava imperiosa, em face da Constituição de Maryland, que exigia que as igrejas e capelas fossem ali "consagradas segundo as leis eclesiásticas de nosso reino de Inglaterra". Lord Baltimore, como patrão, não podia ter feito outra coisa. Num discurso pronunciado na catedral de Westminster, em Londres, o cardeal Gibbons proclamou que a liberdade civil e religiosa fora primeiro estabelecida na América pelos fundadores do Maryland, e firmou sua declaração num trecho tirado da primeira edição da História de Bancroft, que dizia que "em Maryland a liberdade religiosa tinha seu único lar em todo o mundo e a consciência não sofria constrangimento". Os parágrafos citados continuaram a aparecer nas edições posteriores do livro do cardeal - "A Crença de nossos Pais" - sem nenhum vestígio de referência ao fato de haver Bancroft introduzido, na segunda edição de sua obra, certa modificação de seu primitivo asserto. Nessa edição ele escreveu que Roger Williams foi a primeira pessoa na Cristandade moderna a definir, em sua plenitude a doutrina da consciência, a igualdade de opiniões perante a lei. A declaração do cardeal Gibbons, ao tempo em que foi feita, provocou refutação da parte de Gladstone. Na colónia de Maryland os sacerdotes não hesitaram em ler publicamente -a bula - in coena damini - com as maldições assacadas aos protestantes e outros, heréticos e malfeitores - Neill in Founders of Md., p. .101. Paulus foi bastante engenhoso para dizer a verdade e considerar as Instruções dadas a Leonardo Calvert como assunto de "precaução política". Nenhuma suspeita de expediente comercial ou político jamais se levantou contra o fundador de Rhode Island. Williams se bateu pela liberdade de consciência como direito natural, de aplicação universal.
Ao tempo em que estava iminente a separação das Colónias Americanas da Inglaterra, a liberdade de consciência, em matéria religiosa, tinha-se tornado convicção generalizada, do Massachusetts a Geórgia. Dirigindo-se aos Batistas de Baltimore, que haviam trabalhado na Virginia em infringindo as leis religiosas da colónia e sob protestos do clero Episcopal estabelecido, disse Jefferson - Obras, 8.137: "Em nossas primitivas lutas pela liberdade, a liberdade religiosa não podia deixar de tornar-se assunto primordial". Ele considerava como um de seus atos principais o fato de ter sido autor do estatuto virginiano de liberdade religiosa. A liberdade civil e religiosa, foram reunidas inseparavelmente pelo Primeiro Congresso Provincial do Massachusetts, de 1774. Nas Instruções dadas, um ano depois, a Arnold, ao iniciar sua expedição a Quebec, Washington recomendou que tivesse cuidado com os direitos da consciência e recordou que "somente Deus é o juiz dos corações humanos e só a ele devem os homens dar contas". Finalmente, no solo americano, cultivado quase inteiramente, do Massachusetts a Geórgia, por descendentes de protestantes, os princípios de completa liberdade religiosa e de liberdade de palavra e de imprensa foram expressos na Constituição, cuja linguagem memorável diz: "O Congresso não fará lei tendente ao estabelecimento de uma religião ou a proibição do livre exercício dela, ou a tolher a liberdade de palavra e de imprensa". A cláusula referente a religião foi reconhecida prontamente pelas diferentes igrejas. Em sua carta aos Batistas, 1789, Washington os louvou, porque "uniforme e quase unanimemente, tinham sido os amigos firmes da liberdade religiosa". No mesmo ano, a Assembleia Geral Presbiteriana, dando apoio ao Ato Constitucional, declarou que "Só Deus é senhor da consciência. Em todos os assuntos que dizem respeito a religião, os direitos de juízo privado são universais e inalienáveis e não desejamos ver nenhuma organização religiosa sustentada pelo poder civil, além do que possa ser necessário à proteção e segurança, sendo isso ao mesmo tempo extensivo a todas as outras". A liberdade religiosa e a liberdade de palavra, declaradas direito inalienável pela Convenção Americana, com apenas duas ou três excepções de protestantes, foram adoptadas pelas Repúblicas Sul Americanas, a começar com Buenos Aires, 1813, ainda que com o costumeiro protesto da sé romana.