“22 O SENHOR me possuiu no princípio de seus caminhos, desde então, e antes de suas obras.
23 Desde a eternidade fui ungida, desde o princípio, antes do começo da terra.
24 Quando ainda não havia abismos, fui gerada, quando ainda não havia fontes carregadas de águas.” Provérbios 8.
Salomão apresenta neste texto que acabámos de ler uma parábola, ou se quisermos, uma alegoria para descrever a excelência da sabedoria. Em linguagem figurada, descreve o surgimento da sabedoria, a sua antiguidade inescrutável, a sua participação na criação, o seu valor que excede o entendimento humano e o regozijo com os homens. É o texto do Antigo Testamento que os chamados “Testemunhas de Jeová” usam para demonstrar que Cristo foi criado. A tradução Novo mundo (só usada por esta corporação de carater religioso) é esta ou com o mesmo sentido: “Jeová me fês no começo do seu caminho, antes das suas obras da antiguidade.” Verso 2.
E nisto querem seguir a versão dos LXX, ou Septuaginta, toda em grego, que consigna: “O Senhor me criou…”, da qual os arianos tanto abusaram com o fim de defenderem o argumento sobre unitarismo. E desta forma forçam o verbo hebraico qânâh (que no texto aparece numa forma imperfeita e pronominal qananî) a ter o sentido de “criar” ou “fazer”. Ora, isto não corresponde à verdade, e pode afirmar-se com absoluta certeza, serem erróneas neste ponto, tanto a versão Sepuaginta com a dos jeovistas.
Os especialistas em línguas semitas, destacando-se o Dr. F.C. Barney, afirmam que o verbo hebraico qânâh
tem o sentido de “gerar” (coisa bem diferente de “criar”, como veremos), “obter” e especialmente o sentido de “possuir”; nunca, porém, o de “fazer” ou “criar”. Trata-se aí de um equívoco da versão dos Setenta, onde corporação religiosa se apoia.
tem o sentido de “gerar” (coisa bem diferente de “criar”, como veremos), “obter” e especialmente o sentido de “possuir”; nunca, porém, o de “fazer” ou “criar”. Trata-se aí de um equívoco da versão dos Setenta, onde corporação religiosa se apoia.
Para maior compreensão, vamos recompor os três versículos em causa, colocando o original e a tradução, ipsis verbis:
Transpostos, para português, temos:
“O Senhor me possuía no início do Seu caminho, desde as Suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui ungida, desde a origem, antes de existir a Terra. Fui gerada antes que houvesse abismos.” Prov. 8:2.
A chave do sentido encontra na exata tradução dos verbos. Analisemos os três casos que estamos a considerar:
1º No versículo 22 aparece o verbo qânâh, cuja tradução mais exata é possuir, no imperfeito. A propósito, “O Novo Comentário da Bíblia” de F. Davidson, sobre este versículo, afirma:
“Possuiu, tradução dada pelas versões em português, significaria que desde o principio a sabedoria de Deus estava com Deus: Deus é chamado o Possuidor (raiz qânâh) dos céus e da Terra, em Génesis 14:19 e 22. …A referencia aqui não é que a Sabedoria foi o primeiro ser criado, pois a sabedoria de Deus certamente é inseparável d´Ele; pelo contrário, devemos compreender por aí que a Sabedoria estava com Ele desde toda a eternidade.”
2º No versículo 23, aparece o verbo nassak, que alguns traduzem para “estabelecer”. Os melhores Dicionários hebraicos dão-lhe vários sentidos: (1) “derramar”, (2) “fazer libações), (3) “instalar”, (4) “tecer”, (5) “ungir”. A tradução Almeida clássica traduziu por “ungir”, que preferimos, embora o erudito B. Metzger admita que a raiz sãka significa “unir estreitamente”, o que também aceitamos e valoriza a tese que defendemos e que é 100% bíblica. O comentário bíblico de Davidson, já citado, comenta assim este verso 23:
“Ungida pode referir-se à nomeação da Sabedoria, por Deus, para a Sua tarefa. Essa palavra é usada no sentido de consagrar… A sabedoria precedeu todos os seres criados e até mesmo as profundezas mais antigas. Mas isso ainda não é tudo. A sabedoria não só esteve presente na criação, mas serviu de mediadora na mesma.”
3º No versículo 24 há o verbo chul a que os bons dicionários dão o sentido de “contorcer”, “agitar”, “tremer” e, em pouquíssimos casos, “gerar”. Qualquer que seja o sentido de chul (chôlalti) devido à desinência), é todavia desenquadrado e desapropriado dar-lhe o sentido de um nascimento físico, pele fato de toda a passagem ser uma espécie de parábola. O sentido é metafórico, figurativo e isso é importante. Também estaria dentro da lógica do hebraico traduzir-se: “Antes de haver abismos, eu vibrei”. Cremos honestamente que o que Salomão quis dizer, referindo-se à Sabedoria de Deus foi isto:
“Eu estava com Deus no princípio (e isto concorda plenamente com João 1:2: “Ele estava no princípio com Deus”) ou no princípio dos Seus caminhos, ou dos Seus planos na insondável economia divina. Desde a eternidade fui ungida, desde o principio… Apareci antes de haver abismos.”
Tudo, porém, indica incomensurabilidade de tempo, pois a linguagem metafórica do texto indica a eternidade da sabedoria, ou do Cristo: sempre presente em Deus, em qualquer tempo presente com Deus, fundida com Deus.
Respondem as chamadas testemunhas de Jeová que as expressões “antes das obras antigas, antes do começo da Terra” e semelhantes por si só indicam um tempo em que Cristo surgira e, portanto, fora criado. O argumento não colhe. No Salmo 90, por exemplo, Jeová também é referido desta forma:
“Senhor (no original: Jeová) …antes que os montes nascessem e se formassem a Terra e o mundo… tu és Deus.”
E aqui os neo-russelitas não interpretam que Jeová haja sido criado em algum tempo antes da formação do mundo. Porque o não fazem?
Também em Daniel 7:9 e 13, Deus Pai, como supremo Juiz, é descrito como o “Ancião de Deus”; contudo Ele é eterno. Ninguém admitiria que, pelo fato de ser matafóricamente descrito como uma Entidade “de dias”, há Ele tido um começo ou um nascimento. A Bíblia deve ser interpretada com bom senso e imparcialidade, distinguido o figurativo do real. Para fugirem à evidência, os jeovistas não aceitam a interpretação correta do “Ancião de Dias”. O douto Bruce Metzger, referindo-se à pretensão dos correligionários do unitarismo em relação a Provérbios 8:22, diz:
“É um caso flagrante de exegese estrábica abandonar a corrente representação neotestamentária de Jesus Cristo como Ser incriado, e lançar mão de uma interpretação constestada dum versículo do Velho Testamento como se ele fosse a única descrição satisfatória d´Ele. A metodologia própria é, sem dúvida começar com o Novo Testamento, buscando vislumbres, tipos e profecias cumpridas em Jesus Cristo.” Jehovah Witnesses and Christ, p. 87.
Aí está o caminho sensato e correto que os jeovistas deveriam seguir, para não inverterem a pirâmide. Na verdade, pretender que a alegoria de Provérbios 8 prove a criação ou o nascimento de Cristo leva a crer, que é extrapolação, ou dedução e não indução, por essa causa não se trata de verdadeira exegese!
À luz de todas estas informações, não é difícil entender-se o sentido de Provérbios 8:22-24. Que Deus ilumine os sinceros!